Turma de Direito da FTC Itabuna
"Se o amor da riqueza é, no advogado, maior que o amor da honra, troque de profissão. Procure outra em que, para chegar à riqueza, não seja estranhável que abandone a honra" (Plínio Barreto)
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"LUTA. Teu dever é lutar pelo Direito. Mas no dia em que encontrares o Direito em conflito com a Justiça, luta pela Justiça" (Eduardo Couture)
Sempre lutando pelos nossos direitos:
“A justiça sustenta numa das mãos a balança que pesa o direito, e na outra, a espada de que se serve para o defender. A espada sem a balança é a força brutal; a balança sem a espada é a impotência do direito” (Rudolf von Ihering)
Nunca vamos desistir
“A injustiça em qualquer lugar é uma ameaça à justiça por toda parte” (Martin Luther King Jr.)
sexta-feira, 4 de janeiro de 2013
Questões - Direito Administrativo
Direito Administrativo
01- É a responsabilidade que resulta da violação de normas internas da Administração pelo
servidor sujeito ao estatuto e disposições complementares estabelecidas em lei, decreto ou
qualquer outro provimento regulamentar da função pública.
a) administrativa
b) civil
c) criminal
d) improbidade administrativa
e) nenhuma delas
02- A obrigação que se impõe ao servidor de reparar o dano causado à Administração por culpa
ou dolo no desempenho de suas funções. É característica da responsabilidade:
a) administrativa
b) civil
c) criminal
d) improbidade administrativa
e) nenhuma delas
03- É a responsabilidade que resulta do cometimento de crimes funcionais.
a) administrativa
b) civil
c) criminal
d) improbidade administrativa
e) nenhuma delas
04- Assinale a alternativa incorreta:
a) Os agentes públicos de qualquer nível ou hierarquia são obrigados a velar pela estrita
observância dos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade no trato dos
assuntos que lhe são afetos.
b) Ocorrendo lesão ao patrimônio público por ação ou omissão, dolosa ou culposa, do agente ou
de terceiro, dar-se-á o ressarcimento parcial do dano.
c) No caso de enriquecimento ilícito, perderá o agente público ou terceiro beneficiário os bens ou
valores acrescidos ao seu patrimônio.
d) Quando o ato de improbidade causar lesão ao patrimônio público ou ensejar enriquecimento
ilícito, caberá a autoridade administrativa responsável pelo inquérito representar ao Ministério
Público, para a indisponibilidade dos bens do indiciado.
e) O sucessor daquele que causar lesão ao patrimônio público ou se enriquecer ilicitamente está
sujeito às cominações desta lei até o limite do valor da herança.
05- A punição administrativa:
a) não depende do processo civil ou criminal
b) depende do processo criminal
c) depende do processo civil
d) depende do processo civil e do criminal
e) nenhuma delas
06- Nos termos da lei de improbidade, é obrigatória a declaração de bens do agente público ao
tomar posse. Esta declaração não inclui, necessariamente, os seguintes bens:
a) semoventes
b) de filhos que vivam sob dependência econômica do declarante
c) localizados no exterior
d) objetos e utensílios de uso doméstico
e) qualquer espécie de valores patrimoniais
07- É a modalidade de licitação entre quaisquer interessados para escolha de trabalho técnico,
científico ou artístico:
a) concorrência
b) tomada de preços
c) convite
d) concurso
e) leilão
08- É a modalidade de licitação entra quaisquer interessados que, na fase inicial de habilitação
preliminar, comprovem possuir os requisitos mínimos de qualificação.
a) concorrência
b) tomada de preços
c) convite
d) concurso
e) leilão
09- A licitação é dispensável em todos os casos abaixo, exceto:
a) nos casos de guerra ou grave perturbação da ordem
b) nos casos de emergência ou calamidade pública
c) quando a União tiver que intervir no domínio econômico para regular preços ou normalizar o
abastecimento
d) para a aquisição, por pessoa jurídica de direito público interno, de bens produzidos ou serviços
prestados por órgão ou entidade que integre a Administração Pública
e) para aquisição de materiais, equipamentos, ou gêneros que só possam ser fornecidos por
produtor, empresa ou representante comercial exclusivo.
10- A ________ é a modalidade de licitação entra quaisquer interessados que, na fase inicial de
habilitação preliminar, comprovem possuir os requisitos mínimos de qualificação.
a) concorrência
b) tomada de preços
c) convite
d) concurso
e) leilão
Gabarito
01. A
Comentários: A falta funcional gera o ilícito administrativo e dá ensejo à aplicação de pena
disciplinar, pelo superior hierárquico, no devido processo legal.
02. B
Comentários: Não há, para o servidor, responsabilidade objetiva ou sem culpa. A sua
responsabilidade nasce com o ato culposo e lesivo e se exaure com a indenização. A
responsabilidade civil é independente das demais e se apura na forma do Direito Privado, perante
a Justiça Comum.
03. C
Comentários: O ilícito penal sujeita o servidor a responder a processo crime e a suportar os
efeitos legais da condenação.
04. B
Comentários: O ressarcimento é integral do dano, quando há lesão ao patrimônio público por
ação ou omissão, dolosa ou culposa, do agente ou de terceiro.
05. A
Comentários: Apurada a falta funcional, pelos meios adequados, o servidor fica sujeito, desde
logo, à penalidade administrativa correspondente independente da civil ou criminal.
06. D
Comentários: Os objetos e utensílios de uso domésticos não precisam fazer parte da declaração
de bens do agente público.
07. D
Comentários: Esta modalidade acontece através da instituição de prêmios ou remuneração ao
vencedor.
08. A
Comentários: A qualificação do interessado deve ser exigida no edital para execução de seu
objeto.
09. D
Comentários: A produção exclusiva é caso de inexigibilidade e não de dispensa de licitação.
10. A
Comentários: Na Concorrência, a qualificação do interessado deve ser exigida no edital para
execução de seu objeto.
Marilena Chaui - O esquecimento da política
Primeira
parte
Todos conhecem a maneira como Max Weber concebe o poder: o poder, diz ele,
é a capacidade para obrigar a obediência por meio da lei e é o uso legal da violência.
Como dizia Marx, o poder político é a passagem da dominação pessoal à dominação
legal por meio dos instrumentos jurídicos postos pela classe dominante de uma
sociedade. Tanto em Weber quanto em Marx, o poder é idenfiticado ao exercício
da violência: para Weber, o poder em geral, para Marx, o poder na sociedade de
classes.
No entanto, todos também conhecem a distinção feita por Hannah Arendt,
entre a força, a autoridade e o poder. A força, diz ela, é o exercício direto e
imediato da coerção e da repressão, e o seu fundamento é o medo. A autoridade é
a coerção pela tradição, interiorizada e rememorada pela sociedade por meio de
símbolos. O seu fundamento é a obediência e o respeito à hierarquia. O poder é
a coerção mediada pela lei, a qual tanto pode ser fonte de liberdade como de
dominação, e o seu fundamento é o consentimento. Quando o consentimento é
voluntário, o poder propicia a liberdade; quando o consentimento é forçado,
torna-se dominação e opressão. Para Arendt, a força opera por meio da violência,
com a finalidade de eliminar diferenças. A autoridade opera pela formação do
sentimento comunitário, considerando as diferenças secundárias. O poder, quando
não se transforma em dominação, opera no sentido de legimitar as diferenças.
Todavia, não são menos conhecidas de todos as análises de Michel Foucault.
Contrapondo-se à idéia weberiana e marxista de que o poder é essencialmente
repressivo, Foucault prefere tomá-lo sobre um outro ângulo. Em seu livro
“Vigiar e Punir”, analisando as mudanças no sistema penal e no sistema
carcerário na modernidade, ele se refere ao poder como produtor de corpos
dóceis. O poder se torna uma disciplina, e como tal espalha-se pelo todo da
sociedade, penetrando em todas as intituições sociais. Mais tarde, em cursos
ministrados no Collège de France, Foucault recorda a diferença estabelecida por
Aristóteles entre a vida natural, Zoe, e a vida boa, ou vida ético-política,
Bios, e analisa, Foucault, o interesse do poder desde o século XIX pelo
controle sobre a vida natural dos homens - interesse atestado pelo surgimento
da demografia, das discussões sobre população, e das questões de higiene e
saúde públicas. A esse poder fundado na demografia, na idéia de população, de
higiene e saúde públicas Foucault dá o nome de “biopoder”, isto é, um poder que
se exerce sobre a vida dos indivíduos e das sociedades. Em sua opinião, o
racismo, a idéia nazista de eugenia racial e o campo de concentração como
solução final seriam as expressões mais claras dessa mudança sofrida pelo
poder. De fato, Foucault se dedica à análise sobre o fim da idéia de soberania
– idéia que aparece no século XVI e que vai até os anos 80 do século XX – da
idéia de soberania como definição do poder. Mas ele salienta um aspecto da
soberania que ao fim e ao cabo desembocará no biopoder.
Desde o século XVI, com Jean Bódin, a soberania se define pelo poder de
fazer, promulgar e executar a lei, o poder de vida e morte sobre os cidadãos.
Ora, diz Foucault, é evidente que o poder soberano não tem o poder de dar a
vida, mas apenas de tirá-la. Em outras palavras, a soberania é o poder de fazer
morrer ou deixar viver. A peculiaridade do biopoder está em ultrapassar o
limite imposto à soberania pois, por meio da demografia, da higiene e saúde
públicas, da identidade individual definida pela nacionalidade e naturalidade,
pela idéia de população, o poder se exerce sobre a vida e sobre o dar à vida.
Foucault fala então em biopolítica, ou sobre as implicações crescentes da vida
natural do homem nos cálculos e mecanismos do poder - implicações, segundo ele,
expressas, por exemplo, na Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948,
que não por acaso começa pela afirmação da vida como um direito.
O problema das ricas e instigantes análises de Foucault está na ausência
por parte dele de referência às condições materiais dessas duas formas de poder
que ele examina: o disciplinar e o biopolítico. De fato, em Vigiar e Punir,
nunca é mencionado o momento em que o modo de produção capitalista necessita da
força de trabalho assalariado e portanto requer os corpos dóceis, requer a
disciplina, e uma vez que em seus inícios, o capitalismo se exprime
ideologicamente na ética protestante o trabalho como vocação e dever, a
economia e a ideologia instituem o dever de trabalhar e a repressão do desejo e
da fruição, impondo férrea disciplina aos corpos.
Da mesma maneira, no caso dos cursos do Collège de France, quando ele introduz o biopoder e biopolítica, nunca é mencionado o advento da sociedade industrial e de massa, nem é feita a menção à presença assustadora e numerosa da classe trabalhadora, vivendo em condições miseráveis nos centros urbanos (no final do século XIX), classe cuja reprodução como força de trabalho impõe as políticas de higiene e saúde públicas e impõe hoje as políticas de estímulo à fruição, ao gozo, ao desejo, isto é, o abandono do valor do trabalho e o elogio do consumo de massa que demoliu a moral repressiva dos inícios do capitalismo. E é compreensível, portanto que tanto na perspectiva do controle das condições de vida e da reprodução da classe trabalhadora houvesse a questão da demografia, da população, da higiene etc como forma do biopoder, e que hoje o biopoder apareça como forma de satisfação dos desejos. O que eu digo é que as análises do Foucault são muito instigantes, muito ricas, mas abstratas, na medida em que nós não sabemos quais são as condições históricas que produzem essa mudança no poder. Parece que ela decorre de uma mudança na cabeça dos homens, e não é bem isso.
Da mesma maneira, no caso dos cursos do Collège de France, quando ele introduz o biopoder e biopolítica, nunca é mencionado o advento da sociedade industrial e de massa, nem é feita a menção à presença assustadora e numerosa da classe trabalhadora, vivendo em condições miseráveis nos centros urbanos (no final do século XIX), classe cuja reprodução como força de trabalho impõe as políticas de higiene e saúde públicas e impõe hoje as políticas de estímulo à fruição, ao gozo, ao desejo, isto é, o abandono do valor do trabalho e o elogio do consumo de massa que demoliu a moral repressiva dos inícios do capitalismo. E é compreensível, portanto que tanto na perspectiva do controle das condições de vida e da reprodução da classe trabalhadora houvesse a questão da demografia, da população, da higiene etc como forma do biopoder, e que hoje o biopoder apareça como forma de satisfação dos desejos. O que eu digo é que as análises do Foucault são muito instigantes, muito ricas, mas abstratas, na medida em que nós não sabemos quais são as condições históricas que produzem essa mudança no poder. Parece que ela decorre de uma mudança na cabeça dos homens, e não é bem isso.
De toda maneira, independentemente dos reparos que se possa fazer às belas
análises foucaultianas, sobre um aspecto elas retomam uma perspectiva clássica
a respeito da política, qual seja: a não identificação da política com o
aparelho estatal. Isso é típico dos clássicos. Ao pensar o poder como uma ação
e uma operação que se espalham capilarmente por todas as instituições sociais,
Foucault reencontra, surpreendentemente, Annah Arendt e Claude Lefort - e como
eles, ele se opõe ao ponto de vista da ciência política. De fato, tanto Arendt
como Lefort e Foucault consideram a política como espaço público no qual são
deliberadas e decididas as ações concernentes à coletividade, de maneira que a
política determina as formas da sociabilidade e das sociedades, existe
capilarmente no interior da sociedade, segundo na sociedade se definam a forma
do poder e o exercício do governo. Essa perspectiva se opõe à da ciência
política. A ciência política admite a existência de uma esfera política, de
fatos políticos, que se distinguem de todas as outras esferas e fatos sociais,
ou seja, a ciência política concebe a política a partir do Estado e das
instituições estatais, das formas dos governos, da existência de partidos
políticas e da presença ou ausência de eleições. Em outras palavras, ela toma a
política como um fato circunscrito, e não como um modo da existência
sócio-histórica dos seres humanos. Ao contrário, Arendt e Lefort, à maneira dos
clássicos, consideram as formações sociais instituidas pela ação política.
Assim, a política é a criação de instituições socias múltiplas, nas quais uma
sociedade se representa a si mesma, se reconhece a si mesma e se oculta de si
mesma; se efetua e trabalha sobre si mesma, transformando-se temporalmente. Ou
seja, a política não só é instituição do social, mas é também ação histórica.
Todavia, a concordância entre Arendt, Foucalt e Lefort termina nesse ponto,
no qual eles são clássicos. Com efeito, para Arendt, o poder polítido resulta
de um consenço público. Para Foucault, o poder é um conjunto de operações,
mecanismos e instituições que se espalham por toda a sociedade. Para Lefort, o
poder político é simbólico: é o pólo de referência no qual uma sociedade
dividida em classes busca a imagem da sua unidade, realizando o trabalho dos
conflitos que a dividem - em outras palavras, acompanhando Maquiavel e Marx,
pensa o poder a partir da divisão social, e portanto, a partir do conflito, e
não do consenso. Ora, essas diferenças e a discussão em torno da ligação entre
a política e os conflitos nos conduzem ao momento histórico anterior, ou seja,
ao momento da invenção da política.
Segunda
parte
“Cidadão de Atenas, como ireis agora julgar pela primeira vez um crime
sangrento, ouvi a lei do vosso tribunal. Sobre esse rochedo de Ares, doravente
sentar-se-a perpetuamente o tribunal que fará a raça toda dos egeus ouvir o
julgamento de todo homicídio. Esse rochedo é chamado Areópago. Aqui respeito e
seu irmão temor, noite e dia, igualmente, manterão meus cidadãos longe do
crime, enquanto conservarem inalteradas as leis. Não mancheis a pureza das leis
com a impureza de estratagemas. Guardai com reverência vossa forma de governo:
nem anarquia, nem despotismo. Eis a regra que aconselho a cidade a observar com
respeito. E não expulseis todo temor para fora das mulharas da vossa cidade.
Aqui fundo um tribunal inviolável, sagrado, mantendo uma fiel observância para
que os homens possam dormir em paz.”
Essas palavras são pronunciadas pela deusa Atena no final da Oréstia, e com
elas, simbolicamente, afirma-se a invenção da política, obra dos gregos. No mesmo
espírito, na Suplicantes, Eurípedes coloca na boca dos atenienses a seguinte
afirmação: “O que conserva a cidade dos homens é o nobre respeito às leis.”
O helenista Moses Finley descreveu o nascimento da política referindo-se a
ele como a invenção da política. Um acontecimento que distinguiu para sempre
Grécia e Roma em face dos grandes impérios antigos. Por que “invenção”? Porque
gregos e romanos não dispunham de modelos prévios que pudessem seguir, mas
tiveram que inventar a sua própria maneira de lidar com os conflitos e as
divisões sociais. A política foi inventada quando surgiu a figura do poder
público. Ela surge por meio da invenção do direito e da lei, isto é, a
instituição dos tribunais (que é o que, simbolicamente, Atena faz), e da
criação de instituição públicas de deliberação e decisão, isto é, as
assembléias no caso dos gregos, o senado no caso dos romanos. Esse surgimento
só foi possível porque o poder político nasceu graças ao momento em que é separado de três autoridades tradicionais
que anteriormente definiam o exercício do poder: a autoridade do poder privado
ou econômico, isto é, o poder do chefe de família (e em grego, o chefe de
família se diz “Despothes” – o déspota é o pai de família), e é por isso que
Atena diz “nem despotismo”, não o reino do poder privado dos chefes de família,
“nem anarquia”, ausência da lei; a autoridade do poder privado, a autoridade do
chefe militar e a autoridade do chefe religioso, detentor do saber. Essas
figuras, essas três autoridades, nos impérios antigos estavam unificadas numa
chefia única, a do rei. O rei antigo era a unificação dessas três autoridades.
A política nasceu, portanto, quando a esfera privada da economia, a esfera da
guerra e a esfera do sagrado ou do saber foram separadas e o poder deixou de
identificar-se com o corpo místico do governante, pai, comandante e sacerdote,
representante humano de poderes divinos transcendentes. Então a política nasce
quando a forma antiga do poder, do poder imperial dos antigos reis, é posta de
lado.
Na Suplicantes, um mensageiro chega a Atenas e pergunta: “Quem é o tiranos
dessa cidade?” E Teseu lhe responde: “Teu discurso, estrangeiro, começa com um
erro. Pois procura um tiranos nessa cidade que não está sobre o poder de um só [e existe tirania quando
todos estão sobre poder de um só]. Atenas é livre. O demos, aqui, governa. Os
cidadãos administram o Estado por rodízio. Nenhum privilégio é dado às
fortunas, pois o pobre e o rico têm direitos iguais.” A Grécia inventou a
democracia. Em qualquer das cidades gregas, todos os homens adultos, nascidos
na Pólis, eram cidadãos, dotados de isonomia (“isos” quer dizer igual, “nomos”
quer dizer lei: a igualdade perante a lei) e da isegoria (a igualdade perante a
palavra – ou seja, todo cidadão tinha o direito de exprimir na Assembléia a sua
opinião, vê-la discutida e votada). Então, todos os homens adultos, nascidos na
Pólis, eram cidadãos, com isonomia e isegoria, membros natos das assembléias e
dos tribunais e participantes da força militar, que se realizava sobre as formas
de milícia popular, isto é, dos cidadãos armados. Ainda nas Suplicantes, depois
da fala de Teseu, o estrangeiro, surpreso, indaga: “Como o demos? Incapaz de
raciocínio correto, poderia conduzir a cidade no caminho certo?”. O que se
observa é que o estrangeiro, embora questione a capacidade do povo para
legislar, não contesta, de maneira nenhuma, o princípio do governo da lei, ou
seja, “nem despotismo, nem anarquia”, como dissera Atena. Sem dúvida, houve
debates sobre quem tinha o direito de formular e promulgar as leias, e a
diferença na resposta explica não só a diferença entre cidades gregas e a
diferença entre Grécia e Roma. Roma inventou a república, a “res publica”, ou a
coisa públca, era o solo de Roma, distribuido entre as famílias fundadoras da
civitas. A república era oligárquica: os homens adultos membros das famílias
que mudaram à civitas (ou dos pais fundadores, os patres, por isso eles são os
patrícios, e o que eles têm é uma pátria) eram cidadãos, isto é, membros do
senado, das magistraturas e comandantes militares. A plebe, excluida da
cidadania ou da participação direta no governo, fazia-se representar pelo
tribuno da plebe, um patrício eleito pela plebe, e por meio do plebiscito,
manifestava-se diretamente a favor ou contra uma decisão do senado, ou lhe
fazia propostas, além de participar da força militar, não na qualidade de
comandada, porém armada.
Resta, porém, compreendermos o enigmático final da fala de Atena: “Aqui
fundo um tribunal inviolável, sagrado, mantendo uma fiel observância para que
os homens possam dormir em paz”. Trabalho sobre os conflitos e trabalho dos
conflitos, a política nasce articulada à idéia da paz. Recordemos então um
filósofo moderno para quem a paz é o núcleo da invensão da política, Espinosa.
Terceira
Parte
“Somente na cidade vivemos uma vida propriamente humana, para além da mera
circulação do sangue, da respiração e da alimentação”, escreve Espinosa no
Tratado Político. A política, diz ele, deve ser deduzida da condição natural
dos homens, ou dos homens tais como eles realmente são, e não como os téoricos
gostariam que eles fossem. Ora, tais como realmente são, os homens são partes
finitas da natureza infinita e sofrem a ação contínua das outras partes
finitas, isto é, das causas externas, que mais fortes do que cada indivíduo, o
submetem à passividade, isto é, às paixões. E Espinosa afirma que existem 3
afetos originários: a alegria, que é o sentimento que nós experimentamos quando
nossa capacidade de existir aumenta, a tristeza, que é o sentimento que nós
experimentamos quando a nossa capacidade de existir diminui, e o desejo, como
aquilo que nós fazemos a partir do sentimento de alegria ou do sentimento de
tristeza, e ele vai dizer que todas as nossas paixões se derivam desses três
afetos originários. Por exemplo: da alegria deriva-se o amor; da tristeza, o
ódio. Nós vamos, então, agora, e vou me referir a isso, a duas paixões que são
nucleares na compreensão do surgimento da política, segundo Espinosa - uma
paixão de alegria e uma paixão de tristeza. Na Ética, Espinosa escreve: “A
esperança é uma alegria inconstante, nascida da idéia de uma coisa futura ou
passada, de cujo desenlace duvidamos em certa medida. O medo é uma tristeza
inconstante, nascida da idéia de uma coisa futura ou passada, de cujo desenlace
duvidamos em certa medida. Segue dessas definições que não há esperança sem
medo, nem medo sem esperança. Aquele que está suspenso na esperança e duvida
que advenha algo esperado começa a esperar algo que exclua a existência do
esperado, e por conseguinte, passa da alegria instável à tristeza. Quem está
suspenso na esperança tem medo de vê-la frustada. Aquele, ao contrário, que é
vítima do medo, isto é, duvida advenha algo odiado, imagina alguma coisa que
exclua a existência do temido, e por conseguinte, alegra-se na esperança de que
não ocorrerá.” Nós podemos assim falar num sistema do medo e da esperança.
Porque tristeza e alegria instáveis, o medo e a esperança são paixões
inseparáveis, expressões máximas da nossa finitude e da nossa relação com a contigência,
com o acaso. Isto é, com uma temporalidade descontínua, imprevisível e incerta.
Pois, escreve Espinosa, nós jamais podemos estar certos, completamente certos,
do curso total das coisas singulares e do seu desenlace. Viver sob o medo e a
esperança é viver na dúvida quanto ao porvir. A experiência da contigência e a
experiência da dúvida tornam o medo e a esperança inconstantes e
intercambiáveis, não apenas em momentos sucessivos, mas na simultaneidade. Numa
metamorfose interminável, cada uma dessas paixões habita e perpassa a outra.
Ou, como escreve Espinosa, “quem está suspenso na esperança e duvida do
desenlace teme enquanto espera, e quem está suspenso no medo e duvida do que
possa acontecer espera enquanto teme”. Medo e esperança não se separam senão
quando é suprimida a dúvida, ainda que permaneça insuperável a incerteza quanto
ao curso total ou completo das coisas singulares. Com a ausência da dúvida,
passamos do medo ao desespero, da esperança à segurança. Eu cito, então, as
definições de Espinosa. “A segurança é a alegria nascida de uma coisa passada
ou futura, sobre a qual já não existe dúvida. O desespero é a tristeza nascida
de uma coisa passada ou futura, sobre a qual já não existe dúvida. A segurança,
portanto, nasce da esperança, e o desespero, do medo, quando já não existem
dúvidas sobre a ocorrência de algo. Isto decorre de que o homem imagina algo
passado como estando presente, ou imagina a existência daquilo que o fazia
duvidar do desenlace. Assim, mesmo sem ter certeza sobre o curso total das
coisas singulares, podemos não duvidar que ocorram ou deixem de ocorrer. E essa
ausência de dúvida, a causa da segurança ou do desespero.”
Recordemos brevemente algumas teses espinosas fundamentais para o seu
pensamento sobre o nascimento da política. Eu vou, então, enumerar algumas
teses de Espinosa porque elas são fundamentais para compreendermos como é que
ele vai explicar o nascimento da política, e o vínculo da política com a paz.
Para cada coisa singular, haverá sempre outra mais forte capaz de
destrui-la. Somos passivos enquanto somos uma parte finita da natureza, que não
pode ser concebida sem as outras. A força da nossa potência de auto conservação
na existência (e essa força, essa pontêcia, define a essência de cada ser
singular) é limitada e infinitamente ultrapassada pela força das causas
externas que produzem em cada indíviduo passividade e paixões. A alegria é o
afeto que nos faz sentir que nossa potência de existir aumenta. A alegria nos
fortalece. A tristeza, ao contrário, é o afeto que nos faz sentir que nossa
potência de existir diminui. A tristeza nos enfraquece. Todos os nossos afetos
e paixões são formas de alegria ou de tristeza. A esperança é uma alegria, o
medo uma tristeza. A segurança uma alegria, o desespero uma tristeza. A força
de uma paixão e o seu aumento não dependem da nossa potência, mas da potência
das causas externas que agem sobre nós. A razão, enquanto conhecimento
verdadeiro do bem e do mal, não tem qualquer poder sobre as paixões - é a tese clássica de Platão, de
Aristóteles, dos estóicos, dos medievais, de Descartes: a razão, graças ao
conhecimento verdadeiro, faz com que a vontade domine as paixões; Espinosa diz:
a razão não tem nenhum poder sobre as paixões, o conhecimento verdadeiro do bem
e do mal não muda a paixão de ninguém. Uma paixão não pode ser suprimida por um
conhecimento racional, e sim por uma outra paixão mais forte e contrária. Nós
sabemos que as paixões da alegria são mais fortes e as paixões de tristeza são
mais fracas. Isso nos faz supor que as paixões de alegria possam vencer as
paixões de tristeza. As paixões que se referem ao tempo presente são mais
fortes do que as que se referem ao futuro e ao passado – ou seja, eu sinto uma
paixão muito mais forte por uma coisa que está presente, que é presente para
mim, do que alguma coisa que ficou no passado ou alguma que, quem sabe, virá no
futuro. As paixões por uma coisa imaginada como necessária, como inevitável,
portanto, são mais intensas do que aquelas por uma coisa imaginada como
possível ou contigente. E as paixões são mais fortes pela coisa imaginada como
possível do que pela coisa imaginada como contingente. Cada um se esforça para
conservar o que lhe é útil – o útil é o bom – e para afastar e destruir o que
lhe é nocivo, o mal, e a potência para fazê-lo é maior naquele que é virtuoso.
Por que? Porque o fundamento primeiro e único da virtude é apenas a nossa
potência de existir e agir, que define a nossa essência singuçar. (Ou seja,
Espinosa não tem uma concepção normativa da virtude, em que a virtude seria
realizar certos valores, seguir certos modelos, realizar algo que é tido como
bem, a virtude é ter força para existir por si mesmo, e não dependendo da
exterioridade. A virtude é autonomia. Aquele que é autônomo é virtuoso.) Aquilo
que é de natureza completamente diversa da nossa não pode favorecer nem
prejudicar a nossa potência de agir, e, de maneira absoluta, nenhuma coisa pode
ser boa ou má para nós se não tiver algo em comum conosco. É má a coisa
contrária à nossa natureza. É necessariamente boa a coisa que concorda com a
nossa natureza. Enquanto os homens estão submetidos às paixões, não se pode
dizer que concordam por natureza. Inversamente, pode-se dizer que são
contrários uns aos outros. Os homens concordam necessariamente quando vivem
guiados pela razão. Aquele que é virtuoso deseja aos outros o mesmo bem a que
aspira. E, última tese, a potência de auto conservação é o supremo direito de
natureza de cada um (isto é, Espinosa estabelece a identidade entre o direito,
direito natural e a potência de existir de cada um, por isso em Espinosa,
direito é poder).
Espinosa invoca o que ele chama de o “eloqüente testemunho da experiência
quotidiana” para confirmar que nada é mais útil a um homem, portanto nada é um
bem maior para um homem, do que um outro homem. Pois os homens percebem que
“com a ajuda mútua, podem conseguir muito mais facilmente aquilo de que têm
necessidade, e que somente unindo as suas forças, podem evitar os perigos que
os ameaçam de todos os lados.” Se a experiência mostra a utilidade da vida em
comum, a razão, por seu turno, demostra que “as coisas que conduzem à sociedade
dos homens, ou às que fazem com que os homens vivam em concórdia, são úteis. Ao
contrário, são más as que induzem a discórida na cidade.”
Por que a identidade entre direito e potência, ou entre direito e poder? A
potência do universo não é senão a potência de uma substância única,
absolutamente infinita, imanente a todas as suas expressões finitas, e, por
isso, o direito de natureza não é senão a potência natural de cada ser
singular, que exprime, na sua singularidade, a potência da substância
universal. E é isso que lhe assegura fazer apenas o que segue da necessidade de
sua natureza, e julgar, segundo seu próprio temperamento, o bom e o mal. Ou,
como escreve Espinosa, “o direito de natureza coincide com a potência e o
desejo de cada um, e por isso tudo o que cada um deseja é lhe permitido por
natureza e nada lhe é proibido por natureza, senão o que ninguém deseja ou o
que ninguém pode.” Ora, se os homens vivessem guiados pela razão, cujas regras
visam o que é verdadeiramente útil para cada um e para todos, eles seriam
virtuosos, no sentido de que todos estariam exercendo autonomamente a sua
potência de existir e de agir – então, se fossem todos guiados pela razão,
seriam todos virtuosos, e cada um exerceria o seu direito natural sem dano para
os outros. Mas, como os homens são naturalmente atravessados e perpassados
pelas paixões, que ultrapassam em muito a potência da sua virtude, eles são
contrários uns aos outros, mesmo quando precisariam de auxílio mútuo. (Isso é
natural, não tem nada o que lamentar, censurar ou zombar. Não tem que, à
maneira dos teóricos tradicionais, dizer “mas isso é uma desgraça!”. Não, é
assim. O que nós temos é que perguntar “o que fazemos com isso que é assim). Em
outras palavras, se vivessem guiados pela razão, suas naturezas singulares
concordariam, pois eles descobririam que possuem qualidades e propriedades
comuns a todos os seres humanos, e que isso os torna semelhantes. Neste caso,
guiados pela razão e conhecendo a semelhança de todos com todos, a sua
concórdia seria imediata e espontânea. E sendo todos virtuosos, cada um
desejaria para os outros o mesmo bem a que aspira. Todavia, é também por
natureza que os homens são contrários uns aos outros, e habitados pelas
paixões, a discórdia lhes é natural, imediata e espontânea. Assim, a única
maneira de passar da contrariedade passional à concordância passional, passar
da discórdia à concórdia, diz Espinosa, é renunciar ao direito natural e desejo
natural de prejudicar os outros. Essa mudança se realiza em dois níveis. O
primeiro nível, que tem com efeito produzir em nós o desejo de não prejudicar
os outros, essa mudança, podemos dizer que é uma passagem: da discórdia à
concórdia, passa-se de uma paixão fraca, o medo que todos têm de todos, a uma
paixão forte, a esperança dos benefícios decorrentes da utilidade recíproca. O
segundo nível da mudança, porém, que Espinosa apresenta como renúncia ao
direito natural, é uma ruptura. Visto que Espinosa afirma que a política deve
ser compreendida a partir da condição natural dos homens - que esses são
naturalmente passionais e racionais, e que a paixão pode dividi-los, enquanto a
razão necessariamente os une -, para chegar è instituição da política, é
preciso encontrar um ponto de intersecção entre a razão e a paixão. Esse ponto
de intersecção no qual a razão e a paixão se cruzam e encontram um ponto que é
comum à ambas é o que Espinosa chama de Lei. A lei, igualmente válida para a
paixão e para a razão. No que concerne à paixão, trata-se da lei natural
segundo a qual uma paixão só pode ser vencida por outra mais forte e contrária,
e que nós nos abstemos de causar um dano por medo de receber um dano maior em
resposta – isto é uma lei natural, a lei natural que governa a paixão. No que
concerne à razão, Espinosa demonstra exatamente a mesma lei, pois, ele diz,
“sob a condução da razão, escolhemos de dois bens, o maior, e de dois males, o
menor”, e ele diz ainda, “sob a condução da razão, desejamos um bem maior
futuro de preferência à um bem menor presente, e um mal menor presente de
preferência a um mal maior futuro”. (Ou seja, a lei natural opera na paixão e
na razão da mesma maneira. Num caso, espontaneamente é assim que nós fazemos,
no outro caso nós sabemos que é assim. Mas é a mesma lei - ou seja, a razão e
paixão não indicam que na paixão eu sou viciosa, queda, a carne é fraca,
preciso de punição, etc etc e na razão, eu sou formidável, minha alma se eleva,
silencia a fraqueza do meu corpo..., nada disso! A paixão e a razão operam de
acordo com a mesma lei. A única diferença é que na paixão eu não sei e na razão
eu sei. Mas é a mesma lei.) Graças à essa lei natural que a um só tempo rege a
paixão e a razão, a vida social por meio da cooperação, ou da divisão social do
trabalho e dos seus produtos, e das regras tácitas da vida em comum, poderá ser
estabelecida como alicerce de instituição da civitas - ou das leis civis, que
serão mantidas pelos cidadãos, não pela força da razão (que não tem nenhum
poder sobre as paixões), e sim pelas ameças de punição. E Espinosa explica
porque é que o temor tem que vigorar também instalada, instituida a vida social
e política. Ele escreve “esse afeto pelo qual um homem é disposto de maneira a
não querer aquilo que quer e a querer aquilo que não quer chama-se temor, que
não é, senão, o medo quando um homem está disposto por ele a evitar com um mal
menor, um mal maior que julga futuro. Portanto, o que os homens descobrem é que
é um mal maior viver na solidão, e um mal menor viver com os outros.
O campo aberto pela dinâmica afetiva funda-se então na demonstração na
força de uma afeto para vencer um outro mais fraco e contrário a partir da
definição da força de um afeto segundo a diferença entre alegria e tristeza, e
conforme as circunstâncias. De tal maneira que um afeto é mais forte quando
voltado para algo presente e imaginado como necessário e mais fraco quando
voltado para algo passado ou futuro e imaginado como possível ou contingente. A
dinâmica da contrariedade e da força dos afetos, indica que a esperança, paixão
derivada da alegria, é mais forte do que o medo, derivado da tristeza, e, no
nível das circunstâncias, a dinâmica afetiva da maior força do presente em
comparação com o passado e o futuro, e do necessário com relação ao possível e
ao contingente explica porque a segurança é mais forte do que a esperança, e
mais forte do que o medo, e porque, segundo Espinosa, é do sentimento de
segurança que provem o verdadeiro poder das leis civis sobre nós. Em outras palavras:
o temor coletivo, ou o temor às ameaças da lei, se distingue do medo individual
da morte e da solidão (aquilo que Espinosa chama “comunis miseria”, a miséria
em que todos estamos comumente). Por que? Porque esse temor exprime o medo de
perder a segurança, e vou enfatizar muito, e daqui a pouco isso vai ficar claro
quando nós virmos a diferença entre a guerra e paz, que por segurança, Espinosa
entende uma esperança a respeito da qual não existe dúvida. Segurança não tem
nada a ver com as armas, fortalezas, exércitos, polícia, prisão, sistema penal
e sistema carcerário. A segurança é a ausência de dúvida quanto ao bem presente
e futuro.
Sabemos que a Ética coloca o medo e a esperança entre as paixões
irredutíveis, insuperáveis. (Nunca vamos nos livrar do medo e da esperança.
Eles podem diminuir de força, mas não podemos deixar de senti-los. Por que?
Porque eles são expressões da nossa finitude. Nós somos partes da natureza que
não podem ser concebidas sem as outras. Eles são expressões do limite do nosso
conhecimento quanto ao curso das coisas singulares, e portanto, são expressões
da nossa relação com a alteridade, quer nós nos relacionemos imaginariamente
com o outro, quer nos imaginemos com ele racionalmente.) Com efeito, a
experiência imaginária da finitude se realizar como dependência de algo outro
e, simultaneamente, como desejo de consumor essa alteridade, absorvê-la,
aniquilá-la. (Ou seja, nós imaginamos que venceremos a nossa dependência
daquilo que é outro exterior a nós se nos apossarmos desse outro, se o
consumirmos e o aniquilarmos. Essa é a maneira pela qual o desejo se realiza
imaginariamente. Aniquilar o outro como se aniquilando o outro eu parasse de
desejar o que é outro ou parasse de desejar aquilo que é externo a mim.) E a
discórdia passional entre os homens nasce do desejo de cada um de ter a posse
exclusiva e a fruição exclusiva de um bem. Dos bens desejados pela imaginação
paixão, diz Espinosa, o maior bem imaginado é a posse de um outro ser humano,
para fazê-lo desejar o nosso desejo. E para a imaginação coletiva, o bem
supremo é julgar-se escolhido por deus, com exclusão de todos os outros (ser,
portanto, o povo eleito). Nessa dependência do outro, seja como desejo de
possui-lo com exclusividade, absorvê-lo
e consumi-lo, seja como desejo de impedi-lo de alcançar um bem que lhe poderia
pertencer, emerge, pela primeira vez, o medo da solidão, cujo aparecimento é
necessariamente ambíguo, pois exprime, em um só tempo, nossa carência do outro
e nossa recusa do outro, enquanto separado de nós e estranho a nós. Todavia, o
eloquente testemunho da experiência nos força a reconhecer a impossibilidade de
efetivar o desejo de total consumação e aniquilamento do outro, pois esse
desejo se volta contra nós, seja porque no confronto conosco, o outro
experimenta esse mesmo desejo de aniquilamento e possessão contra nós, seja
porque a destruição do outro nos lança no mais completo desamparo e no
desepero. Assim, o medo da solidão pode transforma-se em desespero cuja causa
somos nós mesmos. É aqui, entretanto, que intervem a lei natural do mal menor e
do bem maior, sob a forma de um afeto mais forte do que o medo, que é produzido
pelo aniquilamento do outro, ou seja, o aparecimento da esperança, operando a
passagem da destruição recíproca ou da discórdia à cooperação e à concórdia. O
que permite essa passagem de uma paixão a sua contrária, do medo à esperança,
é, de um lado, sob a lei do mal menor e do bem maior, a vitória efetiva da
esperança, paixão de alegria, cuja força superior e contrária à do medo, a
paixão de tristeza, e do outro lado, o fato de que o que reforça a esperança,
mesmo que a esperança não o saiba, são as noções comuns trazidas pela razão,
isto é, o fato de que os seres humanos possuem qualidades, propriedades e
aspectos comuns, pois essa comunidade é o fundamento ontológico da
concordância... (Ou seja, a concordância entre nós, a concórdia, segundo
Espinosa, não é um acontecimento psicológico, resolvemos todos de boa vontade
concordar, que é um pouco o que aparece no Hobbes. Não. Em Espinosa, a
concordância tem um fundamento ontológico. O que nos leva à concordância é o
fato de que ontologicamente os seres humanos possuem qualidades, propriedades,
aspectos comuns, e é porque nós temos uma comunidade de ser que nós podemos
passar da discórdia à concórdia. A concórdia, portanto, não é um momento de boa
vontade, é um momento em que opera com muito mais força o que há de comum entre
os homens do que o que há de contrário entre eles. E é por isso que a razão
está lá presente: ela está operando tacitamente, silenciosamente, a descoberta
do que é comum a todos.) ... visto que estes aspectos são o fundamento
ontológico da concordância e, portanto, a mola racional invisível da cooperação
entre os homens. Nós poderíamos até falar de uma astúcia da razão, que se serve
de uma paixão, a esperança, para dar força operante à potência racional das
noções comuns, ou daquilo que é comum a todos os homens. De fato, é preciso
observar que Espinosa distingue entre as relações fundadas na paixão e as
relações fundadas na razão. Ele afirma que as relações humanos fundadas nas
paixões podem tornar os homens contrários uns aos outros, enquanto as relações
fundadas na razão os tornam necessariamente concordantes. Em outras palavras:
sob o domínio das paixões, a discórdia é uma possibilidade, que não exclui a
possibilidade da concórdia, ainda que tanto a discórdia quanto a concórdia
sejam instáveis, inconstantes. Sob a razão, porém, a concórdia é necessária,
pois ela está inscrita na natureza dos homens. A astúcia da razão está em se
valer de uma paixão alegre, propensa à concórdia para nela introduzir
estabilidade e constância, ao lhe dar os meios para transformar-se de esperança
em segurança. Ora ,
se nós quisermos compreender porque além dessa passagem da discórdia à
concórdia, também é possível falar numa ruptura, que é o advento do político, é
preciso examinar ainda mais um aspecto da nossa experiência da finitude,
enquanto experiência imaginária, que é a nossa relação com o acaso, ou a nossa
relação com a contigência, porque Espinosa considera que é essa relação com o
acaso, com a contingência que leva ao que Espinosa chama de a forma extrema da
“insecuritas”, da insegurança, que Espinosa designa como o maior de todos os
medos.
Sabemos que a experiência da contingência é irredutível, pois nunca
poderemos ter a certeza quanto ao desenlace do curso total das coisas
singulares. No entanto, há duas maneiras diferentes de enfrentar a
contingência, o acaso, o inesperado. Numa delas, sede-se, visto que não podendo
dominar todas as circunstâncias de nossas vidas, concluimos então que não temos
poder nenhum sobre algumas dessas circunstâncias. Ou seja, a primeira maneira
de enfretar a contingência é seder a ela, viver sob o medo do futuro, na
dúvida, na angústia, na insegurança que dá origem à superstição, à crença na
transcendência da potência divina, dá origem ao poder divinatório de magos e
sacerdotes, em suma, essa maneira de submeter-se à contingência dá origem ao
que Espinosa chama “poder teológico” e ao poder monárquico. De fato, o desejo
de vencer a disperção e a fragmentação temporais dos acontecimentos leva a
imaginação a produzir concatenações arbitrárias entre as coisas e os
acontecimentos, cuja estabilidade e permanência dependem da sua unificação numa
figura imaginária, que é a figura da unidade do poder encarnado num deus ou
encarnado num rei. Em suma, o poder, nascido apenas do medo, é sempre imaginado
como transcendente e separado dos homens (poder de deus), transcendente e
separado dos crentes (poder teológico) e transcendente e separado dos cidadãos
(poder monárquico). Se o poder teológico e o poder monárquico produzem os
mesmos efeitos, produzem aquilo que Espinosa chama “servidão do rebanho”, e a
revolta contínua, isto é, a discórdia como forma das relações sociais e
políticas, é porque esses dois poderes são causados exclusivamente pelo medo, e
não podem senão produzir os efeitos do medo. Há porém uma outra maneira de
enfrentar o acaso, a contingência. Agora, distinguimos entre o que está
completamente submetido ao poder das causas externos, e portanto está
completamente fora do alcance do nosso poder, e o que está em nosso poder,
segundo as circunstâncias. Nós dirigimos o nosso esforço e a nossa potência
para conservação dessas circunstâncias e, sobretudo, para ampliação da presença
dessas circunstâncias, e do seu campo. Em outras palavras: nós buscamos
reforçar as circunstâncias presentes para que eles sejam capazes de determinar
como será o futuro, de tal maneira que, graças a nós, as circunstâncias presentes
recebem uma espécie de necessidade. Aqui também há uma astúcia da razão, pois a
imaginação é levada a produzir concatenações entre coisas e acontecimentos que
dependem da nossa potência, e que por isso se apoiam, sem um saber,
implicitamente, em conexões entre as coisas e os acontecimentos que são
conexões reais e necessárias, ainda que ignoradas por nós. Nesse caso, nós
passamos da esperança à segurança, e para conservá-la, precisamos manter as
circunstâncias presentes no seu advento. Ora, a ampliação das circunstâncias em
nosso poder não muda a esperança em segurança senão quando estabelecemos os
instrumentos de estabilização da temporalidade, ou seja, quando nós
estabelecemos instituições políticas que estão e permanecem em nosso poder. Em
outras palavras: dado que essa instituição decorre da percepção do que está em
nosso poder, a potência coletiva assim instituida não se torna transcendente,
não se separa dos cidadãos, mas é a potência dos cidadãos. Isso significa que a
política instituida pela esperança é imanente aos cidadãos, ou seja, essa
política é democrática. É a política instituida pelo que Espinosa chama “libera
multitudo”, massa livre, que é livre por oposição à multitudo vencida,
conquistada, dominada, submetida ao medo. Assim, essas duas formas de relação
com a contingência, submeter-se a ela e sentir medo, distinguir o que não está
e o que está em nosso poder e reforçar a esperança para transformá-la em
segurança, portanto essas duas maneiras de nos relacionarmos com a contingência
nos permitem compreender porque as questões concernentes à paz, à segurança e à
guerra ocupam quase todos os capítulos do Tratado Político de Espinosa
dedicados àquele regime político no qual o poder pertence a um só, seja o poder
de um só homem, como na monarquia, ou de um só Estado, como no imperialismo.
Esse regime político do poder de um só é apresentado por Espinosa como uma
ordem militar ou beligerante, na qual os
assuntos públicos são tratados secretamente, e é a seu propósito que o filósofo
introduz a distinção entre paz e ausência de guerra (Espinosa diz: a paz não é
ausência de guerra, vamos ver porque). Falando da situação servil dos cidadãos,
reduzidos à condição de um rebanho aterrorizado, e da solidão sob a aparência
de sociedade. No lugar da segurança, ou seja, da ausência de dúvidas políticas
quanto ao futuro, o poder de um só re-introduz a contingência num nível muito
mais profundo, uma vez que agora tudo parece depender da vontade caprichosa,
contingente e secreta daquele indivíduo ou Estado que decide por todos os
outros, e aquele portanto cuja potência se apoia sobre a força dos exércitos e
das fortalezas, e só pode conservá-la exercendo-a continuamente por meio da
repressão interna e da guerra externa, portanto, produzindo, sem cessar, a
insegurança e a instabilidade.
Submetida à imagem de um poder soberando, voluntário, único, a política
nada mais é do que dominação, pois subtrai aos cidadãos e aos outros Estados,
os meios para enfrentar as circunstâncias que, de outro modo, estariam sob o
seu poder. Ou seja, ali, onde houver permanentemente exércitos, armas,
fortalezas e decisões secretas, ali o que reina é a insegurança. (É
interessante porque no nosso vocabulário, o setor de segurança nos Estados é a
polícia, o exército, a prisão... para Espinosa é exatamente oposto, isso é o
lugar da insegurança.)
Dentre os modernos, Espinosa é o único a distinguir entre a paz e a mera
ausência de guerra. Isso nos coloca diante de um paradoxo, porque ele considera
que a guerra é tão natural quanto a paz. Com efeito, parece que Espinosa afirma
simultaneamente que, por naturaza, os homens, atravessados pelas paixões,
contrários uns aos outros, fazem com que a guerra lhes seja natural, imediata e
espontânea. Mas ele diz ao mesmo tempo, também que, do ponto de vista da razão,
os homens concordam por natureza, visto que, ontologicamente, eles possuem
qualidades, propriedades e aspectos
comuns e, portanto, racionalmente, a paz lhes é natural, imediata e espontânea.
O paradoxo parece total, não só porque as paixões nos obrigam a indagar como é
possível a guerra, já que os homens, racionalmente, deveriam estar na paz, mas
também somos obrigados a indagar como é possível a paz, já que, naturalmente, a
guerra é o que nos constitui. E mais, nós somos obrigados a indagar isto porque
a paz e a guerra podem assumir, cada uma, a imagem da outra. A paz vai aparecer
como ausência de guerra, e a guerra vai aparecer (oh, CNN), como o esforço para
conservar a paz. Assim, o que nós temos que perguntar é, não só, o que fazemos
com o fato de que, por natureza, somos belicosos e, por natureza, somos
pacíficos. Nós temos que perguntar como nós passamos de uma coisa para outra.
Mas, sobretudo, temos que perguntar porque é que a imagem da paz e a imagem da
guerra podem se confundir de tal modo que eu defina a paz por meio de imagem da
guerra, e defina a guerra por meio de uma imagem da paz. Ou seja, a paz como
ausência de guerra e a guerra como esforço para obter a paz.
No entanto, não há paradoxo algum. A chave do enigma encontra-se na definição
que Espinosa dá da paz como virtude. Isso significa, por um lado, que a paz é
natural num sentido completamente diverso da naturalidade da guerra e, até
mesmo, num sentido diverso da naturalidade da concórdia. E, por outro lado,
significa que graças à definição da paz como virtude, nós podemos conceber a
definição da instituição da política simultaneamente como passagem da discórdia
à concórdia e como uma ruptura, isto é, o advento de algo novo pela ação dos
homens. No Tratado Político, Espinosa escreve: “se numa cidade os súditos não
tomam das armas porque têm medo, deve-se dizer que nela não há paz, e sim
ausência de guerra. A paz não é simples ausência de guerra, mas uma virtude que
se origina da fortaleza do ânimo, pois que, de fato, a obediência é uma vontade
constante de fazer aquilo que é conforme a decisão comum, tomada pela cidade, e
que deve ser feito. Porém, uma cidade na qual a paz dependa da inércia dos
súditos, que se deixam conduzir como um rebanho e formados apenas para servir
deve-se, mais corretamente, ser chamada de solidão do que de cidade, de
barbárie mais do que de sociedade.” E, no capítulo 6 do TP, ele diz o seguinte:
“a experiência parece ensinar que no interesse da paz e da concórdia, convém
que todo poder pertença a um só [indivíduo, rei ou império]. Com efeito, nenhum
Estado permaneceu tanto tempo sem nenhuma alteração notável como os turcos [ele
está se referindo ao império Turco-Otomano]. E em contrapartida, nenhuma cidade
foi menos estável do que as cidades populares ou democráticas, nem onde se
tenham dado tantas sedições. Mas se a paz tem de possuir o nome de servidão,
barbárie e solidão, nada há mais lamentável nos homens do que a paz. É pois a
servidão, e não a paz, que requer que todo poder esteja nas mãos de um só. A paz
não consiste na ausência de guerra, mas na união do ânimos, ou seja, na
concórdia.”
Antes de examinarmos o significado dessa definição da paz, tomemos, só para
exemplificar, uma das diferenças, uma das muitas, uma diferença entre a guerra
e a paz, uma das muitas que Espinosa
estabelece. Quando, no TP Espinosa analisa os pactos acordados entre países,
entre Estados, em vista da paz, ele observa, e nisto ele está muito próximo de
Maquiavel, que os pactos dependem das circunstâncias, cuja mudança pode tornar
um pacto nulo, re-enviando cada país ou cada Estado ao direito de guerra. No
curso dessa análise, Espinosa repete várias vezes que a guerra pode ser
declarada unilateralmente. De fato, a guerra é sempre uma declaração
unilateral. Mas ele afirma que o mesmo não é possível para a paz, pois a paz
depende, necessariamente, do acordo entre as partes beligerantes. Uma paz
unilateral é uma contradição em sim mesma, é apenas ausência de guerra, imposta
pelo vencedor ao vencido. Uma paz imposta é pura e simplismente exercício da
dominação. Isso significa que a diferença entre a guerra e a paz decorre do
fato de que a primeira é natural por direito de natureza, mas a paz é natural
por efeito de uma instituição humana, que age sobre o direito natural por meio
da lei, ou seja, por meio do direito civil. A paz não é ausência de guerra
porque não é a concórdia animal, não é o rebanho, e sim aquilo que, em
decorrência da natureza racional dos homens, produz um mundo propriamente
humano, isto é, no dizer de Espinosa, a cidade, a política, na qual nós vivemos
a vida propriamente humana. A guerra é repetição. Ela parece sempre nova... ela
é repetição. Ela reitera indefinidamente os conflitos passionais do estado de
natureza. A paz é a introdução do novo no mundo, porque é o surgimento do livre
sujeito político, como um sujeito público e coletivo, que embora encontre na
natureza as condições da sua possibilidade, só encontra as condições da sua
efetividade na avaliação racional das circunstâncias. Eis porque, no plano
natural da discórdia e da concórdia, nós podemos falar de uma passagem de uma
para outra, mas devemos falar numa ruptura entre a naturalidade da guerra e a
instituição da vida política como “securitas et pax”. A diferença entre as duas
naturalidades se explicita quando compreendemos o sentido da definição de paz
como virtude. Recordemos a definição Espinosa da virtude. Na Ética, Espinosa
define a virtude da seguinte maneira: “por virtude e potência, entendo o mesmo,
isto é, a virtude, enquanto se refere ao homem, é a própria essência ou
natureza do homem quando tem o poder de fazer aquilo que só pode ser feito
graças às leis de sua própria natureza.” Como eu lhes disse, a virtude é a
independência, a autonomia, é fazer aquilo que segue do nosso próprio ser.
Resta saber como a paz é uma virtude.
Recusando uma concepção normativa da ética, Espinosa identifica virtude e
nossa potência de agir, quando a ação é determinada internamente pela própria
essência singular do agente. Se na paixão estamos externamente determinados
pela potência de causas exteriores, na ação, isto é, na virtude, nós somos
internamente determinados pela potência da nossa essência, do nosso ser.
Por que a paz é uma virtude política? Antes de tudo porque se distingue, em
sentido geral, da concórdia. Com efeito, Espinosa afirma que a concórdia pode
ser instaurada por medo, por servilhismo, por vergonha. Isso significa que a
paz exige um tipo de concórdia completamente diferente. É a concórdia
instituida pela massa livre, pelo sujeito político-coletivo, que pensa mais,
diz Espinosa, em cultivar a vida do que em fugir da morte. Ora, nós sabemos
que, para Espinosa, cultivar a vida é o único e o primeiro fundamento da
virtude. Além disso, a paz é virtude por ser fortaleza do ânimo. Isto é, ela
bom a obediência à lei comum como a vontade constante de seguir as decisões da
cidade, de tal maneira que a concórdia que nela se exprime não pode provir da
inconstância que pesa sobre o medo, o servilhismo ou a vergonha. Ela só podia
provir, essa constância só pode provir da segurança.
Podemos assim dizer que a paz é virtude política porque capaz de articular
um dado natural racional, a concórdia, e um dado natural imaginativo, o efeito
de segurança com o efeito da constância da esperança. Manter unido esses dois
elementos passionais exige força de ânimo, pois a desaparição de um deles
acarreta a do outro. Nesse primeiro nível, portanto, a paz é virtude, ou força
do ânimo, enquanto uma atividade vigilante que agarra as circunstâncias
instáveis para lhes dar uma estabilidade contínua.
Todavia, justamente porque não há paz perpétua, a paz é virtude política
num nível muito mais profundo, nível no qual a razão e as circunstâncias
precisam operar em conjunto. É nessa difícil operação que se exprime uma
afirmação de Espinosa, qual seja: “a razão ensina absolutamente a buscar a
paz.”
A distinção entre esperança e segurança decorre da presença na insegurança
da dúvida sobre o futuro, e da ausência dessa dúvida na segurança. Todavia, é
preciso observar que Espinosa é bastante claro ao definir a segurança. A
contingência que afeta o curso de todas as coisas singulares e de todos os
acontecimentos faz com que a segurança seja ausência de dúvida, mas ela não é a
presença da certeza. O saber certo, para Espinosa, não se refere ao bom e ao
mal nas coisas, e sim ao bom e ao mal nos afetos, conforme eles favoreçam ou
prejudiquem a nossa potência de auto conservação, como causa interna ativa dos
sentimentos, das idéias, das ações e da vida política. Em outras palavras: as
certeza não diz respeito ao curso dos acontecimentos, sobre isso nunca teremos
certeza, e sim diz respeito à nossa relação com os acontecimentos, e o
critério, ou a medida de tais relações, isto é, o bom e o mal, é a potência de
auto conservação como primeiro e único fundamento da virtude. A virtude é a
ação guiada pela razão, a qual nos ensina a cultivar a nossa vida, passando de
relações passionais conflituosas a relações racionais de concordância, porque
as primeiras nos enfraquecem e as segundas nos fortalecem. Isso significa,
portanto, que a virtude não muda o mundo. Ela nos muda. E com isso ela muda a
nossa relação com o mundo. Ela nos faz saber, com certeza, quais afetos são
bons, quais mals, e porque a paz é um bem. Se, portanto, a paz é virtude, é
porque, antes de tudo, traz certeza à segurança e cultivo à vida. É isso que
confere sentido à afirmação de Espinosa de que a razão ensina absolutamente a
buscar a paz. Se a paz é virtude política, é porque, como toda virtude, não
elimina a contingência, mas age sobre ela. E Espinosa a considera a virtude
política por excelência, porque ela é a capacidade de discernir entre
circunstâncias que favorecem a segurança, a concórdia e a liberdade, e as
circunstâncias que as impedem. A paz é a potência para determinar o indeterminado,
instituindo a boa relação da civitas com as circunstâncias instáveis. Em suma,
a paz é capaz de enfrentar o destino e dobrá-lo em nosso favor.
Quarta
parte
Essas considerações nos permitem entender porque Espinosa julga a
democracia a forma superior da vida social e política. Pois, diz ele, somente
nela os homens são livres, visto que, somente nela, eles são, a um só tempo,
governantes e governados, porque são autores da lei que obedecem.
Nós estamos acostumados a aceitar a definição liberal da democracia. Essa
definição liberal define a democracia como regime da lei e da ordem para
garantia de liberdades individuais. Visto que o pensamento e a prática liberais
identificam liberdade e competição, essa definição da democracia significa, em
primeiro lugar, que a liberdade se reduz a competição econômica da chamada
“livre iniciativa”, e a competição política, entre partidos que disputam
eleições. Em segundo, que há uma redução da lei à potência judiciária para
limitar o poder político, defendendo a sociedade contra a tirania, pois a lei
garante os governos escolhidos pela vontade da maioria. Em terceiro lugar, a
concepção liberal considera que há uma identificação entre a ordem e a potência
dos poderes executivo e judiciário para conter os conflitos sociais, impedindo
sua explicitação e seu desenvolvimento - impedimento que é feito por meio da
repressão. Em quarto lugar, a concepção liberal da democracia considera que,
embora a democracia deva ser justificada como um valor, ou como um bem, ela é
de fato encarada pelo critério da eficácia. Essa eficácia é medida, no plano
legislativo, pela ação dos representantes, entendidos como políticos
profissionais. E no plano do poder executivo, pela atividade de uma elite de
técnicos competentes, aos quais cabe a direção do Estado. (Uma tristeza, né, a
concepção liberal da democracia...)
A democracia é assim reduzida a um regime político eficaz, baseado na idéia
da cidadania organizada em partidos políticos, que se manifesta no processo
eleitoral de escolha dos representantes, na rotatividade dos governantes e nas
soluções técnicas para os problemas econômicos e sociais. Ora, há, na prática
democrática e nas idéias democráticas, uma profundidade e uma verdade muito
maiores e superior ao que o liberalismo percebe ou deixa perceber. O que
significam as eleições? Muito mais que a mera rotatividade de governos, ou
alternância no poder, as eleições simbolizam o essencial da democracia, ou
seja, que o poder não se identifica com os ocupantes do governo, que o poder
não lhes pertence, mas é sempre um lugar vazio, que periodicamente os cidadãos
preenchem com representantes, podendo revogar seus mandatos se não cumprirem o
que lhes foi delegado para representar. O que significam as idéias de situação
e oposição, maioria e minoria, cujas vontades devem ser respeitas e garantidas
pela lei? Elas vão muito além dessa aparência. Elas significam que a sociedade
não é uma comunidade una e indivisa, voltada para o bem comum, obtido por
consenso. Mas, ao contrário, que a sociedade está internamente dividida, que as
divisões são legitimas, e que devem expressar-se publicamente.
Da mesma maneira, as idéias de igualdade e liberdade, como direitos civis
dos cidadãos, vão muito além da sua regulamentação juridica formal. Significam
que os cidadãos são sujeitos de direitos, e que onde tais direitos não existam
nem estejam garantidos, têm-se o direito de lutar por eles e exigi-los. Assim,
a criação e a conservação de direitos, exigidos por contra-poderes sociais, é o
cerne, o coração da democracia.
O que é um direito? Um direito difere de uma necessidade, ou de uma
carência, e de um interesse. De fato, uma necessidade, ou carência, é algo
particular e específico. Alguém pode ter necessidade de água, outro pode ter
carência de comida. Um grupo social pode ter carência de transporte, um outro,
de hospitais. Há tantas necessidades, ou carências, quantos individuos, quantos
grupos sociais. Interesse também é algo particular e específico, dependendo do
grupo ou da classe social. Necessidades ou carências, assim como interesses,
tendem a ser conflitantes, porque exprimem as especificidades de diferentes
grupos e classes sociais. Um direito, porém, ao contrário de necessidades,
carências e interesses, não é particular e específico, mas geral e universal,
válido para todos os indivíduos, grupos e classes sociais. Em outras palavras,
se tomarmos as diferentes carências e os diferentes interesses, veremos que,
sob eles, estão pressupostos direitos. Dizemos, então, que uma sociedade, e não
um simples regime de governo, é democrática, quando além de eleições, partidos
políticos, divisão dos três poderes da república, respeito da vontade da
maioria e das minorias, institui algo muito mais profundo, que é condição do
próprio regime político. Ou seja, uma sociedade é democrática quando institui
direitos. E essa instituição é uma criação social de tal maneira que a
atividade democrática social realiza-se como um contra-poder social que
determina, dirige, controla e modifica a ação estatal e o poder dos governantes.
Essa ação é, no seu conjunto, a política.
A sociedade democrática institui direitos pela abertura do campo social à
criação de direitos reais, à amplição de direitos existentes e à criação de
novos direitos. Isso porque podemos afirmar, em primeiro lugar, que a
democracia é a única sociedade, a única forma da política, que considera o
conflito legítimo. Não só trabalha politicamente os conflitos entre as
necessidades, as carências e os interesses, isto é, as disputas entre partidos
políticos, as eleições, governantes pertencentes a partidos opostos, mas
procura instituir as necessidades, as carências e os interesses como direitos
e, como tais, exigem que sejam reconhecidos e respeitados. Mais do que isso. Na
sociedade democrática, indivíduos e grupos organizam-se em associações,
movimentos sociais, movimentos populares, classes, se organizam em sindicatos e
partidos, criando um contra-poder social, que direita ou indiretamente, limita
o poder do Estado. A política se realiza, portanto, nesse contexto.
Em segundo lugar, a democracia é a sociedade verdadeiramente histórica,
isto é, aberta ao tempo, ao possível, às transformações e ao novo. Com efeito,
pela criação de novos direitos, e pelas existências dos contra-poderes sociais,
a sociedade democrática não está fixada numa forma para sempre determinada - ou
seja, ela não cessa de trabalhar suas divisões internas, suas diferenças
internas, seus conflitos e de orientar-se pela possibilidade objetiva da
liberdade e, portanto, de alterar-se graças e por meio da própria práxis.
A sociedade democrática é, pois, aquela que não esconde suas divisões, mas
as trabalha pelas instituições, pelas leis, pela práxis humana. É ela, creio
eu, que pode responder à pergunta que nos foi colocada: o que é a política.
Resumo de Hermenêutica Jurídica
HERMENÊUTICA
É: - “Conjunto de técnicas intelectivas voltadas para o processo de
determinação de significados de um dado objeto”.
HERMENÊUTICA
JURÍDICA: “O setor específico da Ciência do Direito destinado a organizar
princípios e regras que viabilizam uma adequada interpretação do Direito,
identificando a existência ou não de lacunas, obscuridades e antinomias, dando
racionalidade ao sentido e alcance das expressões do direito”.
DUPLA PERSPECTIVA DA HERMENÊUTICA JURÍDICA
DESCRITIVA: privilegia a explicação
do que é interpretar e desenvolve uma ontologia da interpretação. Sua
finalidade é esclarecer a estrutura e o funcionamento do discurso
interpretativo. (utiliza a decisão de um juiz injusto e descreve o
caminho que ele percorreu)
PRESCRITIVA:
privilegia a orientação dos intérpretes desenvolvendo uma metodologia da
interpretação. Seu objetivo é estabelecer bases sólidas para compreendermos o
sentido da atividade interpretativa e os modos pelos quais construímos a
realidade a partir de nossas percepções. (Recomenda algo para solucionar o problema.)
A CENTRALIDADE DA INTERPRETAÇÃO NO DISCURSO JURÍDICO
I - DISCURSO PRÁTICO-JURÍDICO: a
interpretação torna-se presente para determinar os significados dos textos
legais. II - DISCURSO TEÓRICO-JURÍDICO: utiliza a
interpretação doutrinária com freqüência para sistematizar o direito em vigor e
para construir conceitos jurídicos. III - DISCURSO LEGISLATIVO:
a interpretação quando o legislador deve verificar o significado de um texto
legal já existente em compatibilidade com o texto a ser promulgado.
O
QUE É DIREITO? - KELSEN:
DIREITO É NORMA ( se A é, B deve ser). Só as normas constituem objeto do
conhecimento jurídica. - COSSIO: DIREITO É CONDUTA NORMADA:
O Direito, como objeto, é conduta em interferência intersubjetiva; é um ser
cultural, real, tem valor(+ e-), cuja compreensão é atingível mediante o método
empírico-dialético. - COHEN (
REALISTAS): DIREITO É FATO: O que existe é o fato X e a conseqüência
será ditada na sentença – a interpretação seria a criação da norma para o caso.
MIGUEL – Direito é fato, valor e
norma.
DIREITO E LINGUAGEM
A
importância da linguagem no direito é fundamental, pois é através do seu uso
que se exprime o verdadeiro e o falso, o justo e o injusto, o poder e o não
poder. Sem o domínio da linguagem, o sistema jurídico ficaria a mercê da
obscuridade, da incongruência com o real, e a aplicação da lei restaria
duvidosa, estranha ao fim social a que se destina.
DIREITO + HERMENEUTICA +
INTERPRETAÇÃO (FINALIDADE HERMENEUTICA)
O direito apresenta-se jungido (ligado/unido) à
própria hermenêutica, na medida em que a sua EXISTÊNCIA, enquanto SIGNIFICAÇÃO,
depende da concretização ou da APLICAÇÃO da lei em cada CASO JULGADO, que por
sua vez depende da interpretação
Obriga
o operador jurídico a aplicar regras de interpretação jurídica, visando a
adequar e aplicar a norma escrita ao objeto do litígio, sempre atento aos
elementos concretos e vivos da experiência social.
A
interpretação da norma jurídica em desconformidade com o bem comum, geram
injustiças, desigualdade social.
Ao
jurista é imprescindível, muito mais que aplicar a lei ao caso concreto, saber
interpretá-la de modo a alcançar o justo.
É
necessário interpretar a lei evitando, sempre que possível, sua rigidez natural
e positivismo, sem no entanto ir contra ao que nela foi estabelecido, tendo em
vista a assegurar o bem comum e atenuar as injustiças sociais, evitando, assim,
decisões arbitrárias e sem sentido, que além de desprestigiar o judiciário, vão
contra a natureza do objetivo da lei, qual seja, o prestígio e amparo do bem
comum.
HERMENEUTICA X
INTERPRETAÇÃO
Hermenêutica
trata de regras sobre regras jurídicas, de seu alcance, sua validade,
investigando sua origem, seu desenvolvimento etc. A interpretação tem caráter
concreto, seguindo uma via preestabelecida, em caráter abstrato, pela
hermenêutica.
Enquanto a hermenêutica é o processo do qual se
utiliza o intérprete para elaborar seu convencimento (sendo, portanto, a teoria
científica dos princípios reguladores da interpretação); a atividade
interpretativa, por sua vez, é a fórmula encontrada para capturar o significado
de uma norma através da utilização de métodos hermenêuticos.
Enquanto
a hermenêutica é o processo do qual se utiliza o intérprete para elaborar seu
convencimento (sendo, portanto, a teoria científica dos princípios reguladores
da interpretação); a atividade interpretativa, por sua vez, é a fórmula
encontrada para capturar o significado de uma norma através da utilização de
métodos hermenêuticos.
HERMENÊUTICA - É ciência; Atividade ulterior a
aplicação; Existem independente de seu uso; Caráter teórico-jurídico ou
abstrato; Processos aplicáveis para determinar o sentido e o alcance das e
expressões do Direito; Refletir e criar as formas pelas quais serão feitas as
interpretações
INTERPRETAÇÃO - É uma arte – operação; É pragmática –
necessita do caso concreto; Aplicação ao caso concreto de enunciados já
estabelecidos; Explicar, esclarece, dar o verdadeiro significado do vocábulo;
Extrair da norma tudo o que nela se contém; Revelar o seu sentido apropriado
para a vida real.
INTERPRETAR
PARA CHEGAR A UM RESULTADO, CONSIDERA: A relação dos aspectos
sociológicos com os aspectos jurídicos; O contexto histórico-social do processo
interpretativo; Revigoramento das questões de ordem técnica; O Direito como
sistema normativo e regulador.
VONTADE DA LEI X VONTADE
DO LEGISLADOR
À
medida que a lei se afasta de sua finalidade original, que pode, muitas vezes,
não ser a finalidade desejada pelo legislador, ela perde seu compromisso com o
bem comum e, naturalmente, deixa de beneficiar a todos para beneficiar alguns.
Tanto
a criação da lei como a sua aplicação devem visar ao bem comum. Se assim não
for, a lei não estará cumprindo a sua finalidade.
TEXTO E NORMA
Norma é o
sentido do texto, aquilo que se diz sobre ele. A norma é produto da
interpretação do texto a norma é o que se extrai do texto por meio da
interpretação. Entre texto e norma não há um afastamento a autorizar
decisionismos injustificáveis nem coincidência a determinar indelevelmente o
sentido do texto.
HERMENÊUTICA COMO
CIÊNCIA
Pode ser considerado como ciência por ser
abstrata e ter um objeto própria de estudo que é obter o sentido claro do
texto, uma interpretação que chegue o mais próximo possível da finalidade do
texto, além disso ela dispões de métodos e técnicas próprias a seu estudo.
DIFERENÇA
ENTRE HERMENEUTICA LITERÁRIA E BIBLICA.
A HERMENÊUTICA BÍBLICA -, busca compreensão dos textos ditos
sagrados ou religiosos para extrair do processo de interpretação um conjunto de
idéias que se considera latentes, em
meio às revelações divinas, ainda que talvez não possa ser desvendado pela
pobre razão humana, incompreendidas pela leitura linear do texto. HERMENÊUTICA LITERÁRIA cria um diálogo
constante entre crítica e obra de modo a compor um caminho projetivo em que
aspectos da obra sejam interpretados num sentido amplo que englobe
fundamentação histórica e filosófica.
HISTORIA
HERMENEUTICA E ESCOLAS
A hermenêutica surge com influencia da igreja
católica
ANTIGUIDADE - A Hermenêutica alcançou um
considerável interesse prático (
Interpretação dos mitos); manter a autoridade dos poetas gregos com a
justificação racional do mundo; A
Alegoria (Hypanoia) é a técnica escolhida para entrever no mito a
verdade racional que o pensamento expressa.
A
PATRÍSTICA - Escola de
interpretação alegórica que dominou a Igreja nos séculos inicias do
cristianismo, buscava justificar o antigo testamento como um documento cristão.
CLEMENTE DE ALEXANDRIA (150 – 215),
acreditava que as Escrituras Sagradas ocultavam seu verdadeiro significado afim
de que fôssemos inquisidores, e também porque não é bom que todos a entendam. ORÍGENES, seguidor de Clemente.
Defendia alegoria. A Escritura possui os
três sentidos – literal, moral e Alegórico ou místico. AGOSTINHO afirmava que apenas as passagens
obscuras requeriam um esforço interpretativo
O
ESPIRÍTO DA REFORMA - abandonou o sentido quádruplo da Escritura (
histórico, anagógico, etiológico e alegórico), substituindo-o pelo princípio de
que a Escritura tem apenas um sentido. LUTERO rejeitou o método
alegórico, chamando-o de “sujeira.
Aderia a compreensão literal do texto para a interpretação, não
descuidando, o intérprete, das condições históricas, da gramática e do
contexto.
O
SENTIDO DA HERMENÊUTICA CRISTÃ
● O sentido literal - a significação primeira das palavras; O sentido alegórico - os textos sagrados dizem uma coisa diferente da que dizem à primeira vista; O sentido tropológico, ou moral, - a Bíblia é escolhida como livro de vida, quer dizer, orientado para a conversão do coração; O sentido anagógico, ou místico, que reenvia para o movimento da alma em direção à transcendência, para o além, e a inscreve no horizonte da salvação, que constitui as raízes da doutrina cristã.
● O sentido literal - a significação primeira das palavras; O sentido alegórico - os textos sagrados dizem uma coisa diferente da que dizem à primeira vista; O sentido tropológico, ou moral, - a Bíblia é escolhida como livro de vida, quer dizer, orientado para a conversão do coração; O sentido anagógico, ou místico, que reenvia para o movimento da alma em direção à transcendência, para o além, e a inscreve no horizonte da salvação, que constitui as raízes da doutrina cristã.
AS ESCOLAS DA INTERPRETAÇÃO DO DIREITO
São correntes de pensamento que surgiram no século
XIX, em virtude do surgimento das grandes codificações, procurando estabelecer
a forma ideal de relacionamento entre a norma e seu aplicador.
ESCOLA
EXEGESE (também denominada Clássica, Tradicional ou Dogmática Entendeia que o Código Napoleão
previa todas as situações da vida, acreditava que a interpretação devia
limitar-se à pesquisa da vontade do legislador, levando-se em conta sua
intenção. Seu surgimento deveu-se a Revolução Francesa, dedicada a combater o
arbítrio judicial. Dessa forma contra o Absolutismo Judicial se insurgiram os
seus adeptos, proclamando uma total subserviência do poder de decidir ao texto
da lei. Se a lei é clara, inútil
qualquer tentativa de interpretação: in claris cessat interpretatio.
Sendo a lei incerta, ambígua ou obscura, é mister perquirir a vontade, o
pensamento do legislador, com o auxílio do elemento lógico.
ADVENTO
- Codificação (obtida com o código de Napoleão formando grupo de juristas);
Mentalidade dos juristas da época.; Princ. Da certeza jurídica e da legalidade
(exigência da Rev. Francesa, queria-se a vontade da Lei – deve estar
estabelecida em Lei p/ que os indivíduos tenham direitos; Separação dos poderes
(Exec., Leg. e Judiciario); Ideologia política de enfraquecer as faculdades de
direito (queriam que não existisse interpretação.
CARACTERÍSTICAS: atenção
totalmente voltada para a lei; Inversão dos valores tradicionais entre direito
natural e direito positivo; Concepção rigidamente estatal do direito; A interpretação
da lei é fundada na intenção do legislador; Apego excessivo às palavras
da lei; Ação limitada do aplicador do Direito; Supressão da ambigüidade na
interpretação da norma; É o primeiro modo de elaboração científica de um
direito codificado.
ERRO E DECLINIO - Aferrando-se ao pensamento do
legislador e à rigidez das palavras, desconhecia a natural evolução dos fatos
sociais, base do direito, que lhes segue os passos.
ESCOLA
HISTÓRICA
Colocavam
a investigação histórica em primeiro plano, negava a antítese letra/lógica. a
interpretação haveria de ser uma só, desdobrando-se, isto sim, em métodos,
entre os quais se incluiria o método histórico. A interpretação, consistia na
reconstrução do pensamento do legislador, expressão da consciência comum do
povo. Impunha-se, então, o conhecimento dos costumes e dos fatos sociais
ligados ao conteúdo da lei, já que o direito, produto da vontade nacional, não
se poderia considerar originário da razão humana.
CARACTERÍSTICAS
- congruência com
cientificismo, romantismo, historicismo e nacionalismo; Apego ao passado,
idelaizando-o, resultando na descrença do futuro; Tentativa de retomar o
Direito romano.; Oposição à codificação e ao racionalismo exacerbado; liga o
Direito organicamente com a essência e o caráter de um povo, sendo inerente ao
desenvolvimento e necessidade de um povo; contrapõe a idéia iluminista de
otimismo, na qual o homem com a razão pode melhorar a sociedade. A interpretação, para Savigny,
consistia na recontrução do pensamento do legislador, expressão da consciência
comum do povo; Direito não é uma idéia da razão, e sim produto da história,
variando no tempo e no espaço.
CÂNONES
(regras) DA INTERPRETAÇÃO DE SAVIGNY - A
interpretação gramatical, literal é a porta de entrada para a compreensão; A
interpretação sistemática da parte para o todo; A interpretação lógica procura
a coerência no texto da Lei, fazendo-se a leitura de todo o texto da lei:
capítulos, artigos, incisos; A interpretação histórica apega-se à história, à
tradição para elaborar o direito.
Xxxxxxxxxxxxxxxxx
CONFRONTO ALEMÃO - SAVIGNY - Defendia a anticodificação, pois isto conduziria a um
engessamento e dificultaria o regramento que a dinâmica da vida em sociedade
exige.; Defendia uma ciência orgânica e progressiva de base histórica comum a
toda nação.; O direito legislativo deveria ter oferecer suporte aos costumes. –
THIBAUT - Defensor da codificação.; Buscava não ressuscitar o
jusnaturalismo, mas construir sistema do direito positivo.; Critica o Direito
germânico – insuficiente, obscuro e primitivo. e Direito Canônico – inculto e
difícil de ser interpretado; Direito Romano – complicado e incerto.
EXEGESE X
HISTORICISMO JURÍDICO
EXEGESE - Interpretação
gramatical e lingüística da lei; Interpretação da lei fundada na intenção do
legislador; No caso de lacunas, recorria à vontade do legislador; Culto ao
texto da lei; Reduz o direito ao formalismo extremo; Seguidores fiéis até os
dias de hoje. HISTORICISMO JURÍDICO - compreensão do Direito como
fato social, reconhece a complexidade dinâmica da sociedade (toda lei gera um
direito subjetivo); O Direito não é uma idéia da razão, mas sim um produto da
história; Amor pelo passado; A lei primeiramente desenvolve-se por costumes e
em seguida, pela jurisprudência, e não pela vontade arbitrária de um
legislador. Quebra a crença do Direito natural.
JURISPRUDÊNCIA
DOS INTERESSES
Concebe
o direito como um processo de tutela de interesses: as normas como resultantes
dos interesses de ordem material, nacional, religiosa ou ética que, em cada
comunidade jurídica se contrapõem uns aos outros e lutam pelo seu
reconhecimento, enquanto meras soluções valoradoras de conflitos de interesses.
ESCOLA
DO DIREITO LIVRE
Competia
ao juiz, de acordo com sua habilidade e consciência, procurar e aplicar o
direito justo, superior à própria lei, especialmente se persistem dúvidas a
respeito de seu conteúdo.
METODOS E DOGMATICAS DE
INTERPRETAÇÃO
CRITÉRIOS BÁSICOS
COERÊNCIA (busca do
sentido correto): métodos lógico sistemático - CONSENSO (busca do
sentido funcional): respaldo social.
método sociológico e histórico - JUSTIÇA
(busca do sentido justo): objetivos axiológicos do direito. método teleológico-axiológico
QUANTO A NATUREZA:
MÉTODO GRAMATICAL - consiste, portanto, em apurar o
significado das palavras que formam o texto normativo, deixando nítida a
linguagem empregada pelo autor da norma. Para tanto, o intérprete poderá
utilizar a etimologia, a sinonímia, a análise sintática, os elementos
semânticos e a ortografia como auxiliares na compreensão de cada uma das
expressões analisadas. MÉTODO LÓGICO
– trata-se da lógica contextual. Deve-e entender o texto que se quer
interpretar a partir do todo onde ele se encontra, verificando o campo de
incidência da norma. MÉTODO HISTÓRICO
- A interpretação remonta ao tempo do projeto normativo: o que justificou seu
nascimento, quais foram os impulsos da época que levaram à elaboração daquele
dispositivo. A aplicabilidade do direito toma, como base, as situações
históricas de edição da norma. MÉTODO
SISTEMÁTICO ou Finalista - Os preceitos normativos não podem ser avaliados
isoladamente, visto carecem de uma percepção harmônica, objetiva e imparcial;
de modo que o intérprete, ao invés de atentar para regras apartadas, volte-se
para o sistema jurídico em que estejam incluídas. MÉTODO TELEOLÓGICO - ou finalista apregoa que para se ter o real
sentido de uma norma é indispensável procurar o seu objetivo; o que, em última
análise, corresponde à razão de ser daquele enunciado. Clarear o alcance de um
dispositivo através da sua causa final. MÉTODO
SOCIOLÓGICO - considera relevante, para se ter uma perfeita interpretação
da norma, que sejam observados todos os fatos da sociedade na qual este preceito
esta inserido
QUANTO AO ALCANCE (RESULTADO)
ESPECIFICADORA OU
DECLARATÓRIA – o
alcance coincide com o seu enunciado. É aquela em que o intérprete se limita a
declarar o sentido da norma jurídica interpretada, sem amplia-la nem
restringi-la. EXTENSIVA – o
enunciado é inferior ao alcance e por isso precisa ser ampliado. Amplia o
sentido e o alcance apresentado pelo que dispõe literalmente o texto da norma
jurídica. RESTRITIVA – o enunciado é
maior do que o alcance, razão pela qual sofre diminuição na interpretação. É a
que restringe o sentido e o alcance apresentado pela expressão literal da norma
jurídica.
PROBLEMAS
SINTÁTICOS - Questões léxicas: questões de conexão da palavras nas
sentenças. Questões lógicas:
questões de conexão de uma expressão com outras expressões dentro de um
contexto. Questões sistemáticas:
questões de conexão das sentenças num todo orgânico, estrutural, pressupondo a
unidade do sistema jurídico.
MEDIANTE TRÊS PROCEDIMENTO:
ATITUDE
FORMAL - se o legislador não distinguir, não cabe ao interprete fazê-lo. ATITUDE
PRÁTICA: separam os termos na forma de oposições simétricas ou de
conjugação. ATITUDE DIPLOMÁTICA: inventividade do intérprete, proposta
da boa-fé.
PROBLEMAS
SEMÂNTICOS: referem-se aos significados das palavras ou de
sentenças prescritivas. - Conceitos
indeterminados: não é possível precisar o objeto. Ex. perigo
iminente - Conceitos valorativos: imprecisão quanto aos atributos que o
definem, Ex Mulher honesta - Conceitos discricionários: existe até que o
interprete atribua uma relação de meio/fim, ex risco grave/leve.
A
INTERPRETAÇÃO ASSUME DUAS FORMAS: Controle de ambigüidade por
interpretação conotativa: pode ser feita de modo que o significado da
palavra ou da sentença prescritiva seja mais claramente definido por meio de
uma descrição formulada em outros termos. Vg. Mulher honesta. Controle de vaguidade por
interpretação denotativa: decidir
com um sim ou não, ou talvez, se o conjunto de fatos constitui ou não
uma referência que corresponde á palavra ou á sentença. ex Depósito
INTEGRAÇÃO - O legislador não consegue prever todas as situações para
o presente e para o futuro, pois o direito é dinâmico e está em constante
movimento. O juiz não pode eximir-se de proferir decisão. O art. 4o
da LINDB: “Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a
analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”.
MODOS DE INTEGRAÇÃO DO DIREITO
A) INSTRUMENTOS QUASE-LÓGICOS - São aqueles que exigem alguma
forma de procedimento analítico. “quase porque não obedecem estritamente
ao rigor da lógica formal” ANALOGIA, INDUÇÃO AMPLIADORA; INTERPRETAÇÃO
EXTENSIVAI
ANALOGIA: Consiste na aplicação a uma hipótese
não prevista em lei, de disposição estabelecida para casos semelhantes.
Fases: 1- Constatação de que o caso em
exame não tenha sido de nenhum modo previsto pela lei e nem tenha pretendido
regular negativamente o caso. 2 - verificar semelhança
INDUÇÃO
AMPLIFICADORA: sugere um processo mais amplo, não encontrando regra
jurídica que regulamente caso semelhante, ao julgador se permite extrair
filosoficamente (por dedução ou indução) o axioma predominantemente de um
conjunto de regras ou de um instituto, ou disciplinadoras de um instituto
semelhante.
INTERPRETAÇÃO
EXTENSIVA: partimos de uma norma e a estendemos a casos que estão compreendidos
implicitamente em sua letra ou explicitamente em seu espírito.
B - INSTRUMENTOS INSTITUCIONAIS - São aqueles que buscam apoio na concepção de
instituição. COSTUMES, EQUIDADE, PRINCÍPIOS GERAIS DO DIREITO
COSTUMES
- Dizem os autores
que é uma regra jurídica não escrita que provém dos usos populares
e que é aceita como necessária pelo próprio povo. Distingue-se da lei por não
ser legislado.
EQUIDADE - adota-se em preceito geral, que são os fins sociais ou
exigência do bem comum, numa situação que não foi prevista pelo legislador.
art.
5o da LICC, quando este recomenda ao juiz que
atenda, ao aplicar a lei, aos fins sociais a que ela se destina, adequando-a às
exigências oriundas das mutações sociais, e às exigências do bem comum.
PRINCÍPIOS
GERAIS DO DIREITO: São pressupostos que articulam, ampla e
genericamente, a ciência do Direito e o ordenamento jurídico, e que servem para
orientar racionalmente a compreensão do ordenamento, fundamentando o
aparecimento de novas normas e a validade de outras já existentes.
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