Social Icons

oi

Pages

Turma de Direito da FTC Itabuna

"Se o amor da riqueza é, no advogado, maior que o amor da honra, troque de profissão. Procure outra em que, para chegar à riqueza, não seja estranhável que abandone a honra" (Plínio Barreto)

A Melhor Turma de Direito

"LUTA. Teu dever é lutar pelo Direito. Mas no dia em que encontrares o Direito em conflito com a Justiça, luta pela Justiça" (Eduardo Couture)

Sempre lutando pelos nossos direitos:

“A justiça sustenta numa das mãos a balança que pesa o direito, e na outra, a espada de que se serve para o defender. A espada sem a balança é a força brutal; a balança sem a espada é a impotência do direito” (Rudolf von Ihering)

Nunca vamos desistir

“A injustiça em qualquer lugar é uma ameaça à justiça por toda parte” (Martin Luther King Jr.)

sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

Questões - Direito Administrativo


Direito Administrativo

01- É a responsabilidade que resulta da violação de normas internas da Administração pelo
servidor sujeito ao estatuto e disposições complementares estabelecidas em lei, decreto ou
qualquer outro provimento regulamentar da função pública.
a) administrativa
b) civil
c) criminal
d) improbidade administrativa
e) nenhuma delas

02- A obrigação que se impõe ao servidor de reparar o dano causado à Administração por culpa
ou dolo no desempenho de suas funções. É característica da responsabilidade:
a) administrativa
b) civil
c) criminal
d) improbidade administrativa
e) nenhuma delas

03- É a responsabilidade que resulta do cometimento de crimes funcionais.
a) administrativa
b) civil
c) criminal
d) improbidade administrativa
e) nenhuma delas

04- Assinale a alternativa incorreta:
a) Os agentes públicos de qualquer nível ou hierarquia são obrigados a velar pela estrita
observância dos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade no trato dos
assuntos que lhe são afetos.
b) Ocorrendo lesão ao patrimônio público por ação ou omissão, dolosa ou culposa, do agente ou
de terceiro, dar-se-á o ressarcimento parcial do dano.
c) No caso de enriquecimento ilícito, perderá o agente público ou terceiro beneficiário os bens ou
valores acrescidos ao seu patrimônio.
d) Quando o ato de improbidade causar lesão ao patrimônio público ou ensejar enriquecimento
ilícito, caberá a autoridade administrativa responsável pelo inquérito representar ao Ministério
Público, para a indisponibilidade dos bens do indiciado.
e) O sucessor daquele que causar lesão ao patrimônio público ou se enriquecer ilicitamente está
sujeito às cominações desta lei até o limite do valor da herança.

05- A punição administrativa:
a) não depende do processo civil ou criminal
b) depende do processo criminal
c) depende do processo civil
d) depende do processo civil e do criminal
e) nenhuma delas

06- Nos termos da lei de improbidade, é obrigatória a declaração de bens do agente público ao
tomar posse. Esta declaração não inclui, necessariamente, os seguintes bens:
a) semoventes
b) de filhos que vivam sob dependência econômica do declarante
c) localizados no exterior
d) objetos e utensílios de uso doméstico
e) qualquer espécie de valores patrimoniais

07- É a modalidade de licitação entre quaisquer interessados para escolha de trabalho técnico,
científico ou artístico:
a) concorrência
b) tomada de preços
c) convite
d) concurso
e) leilão

08- É a modalidade de licitação entra quaisquer interessados que, na fase inicial de habilitação
preliminar, comprovem possuir os requisitos mínimos de qualificação.
a) concorrência
b) tomada de preços
c) convite
d) concurso
e) leilão

09- A licitação é dispensável em todos os casos abaixo, exceto:
a) nos casos de guerra ou grave perturbação da ordem
b) nos casos de emergência ou calamidade pública
c) quando a União tiver que intervir no domínio econômico para regular preços ou normalizar o
abastecimento
d) para a aquisição, por pessoa jurídica de direito público interno, de bens produzidos ou serviços
prestados por órgão ou entidade que integre a Administração Pública
e) para aquisição de materiais, equipamentos, ou gêneros que só possam ser fornecidos por
produtor, empresa ou representante comercial exclusivo.

10- A ________ é a modalidade de licitação entra quaisquer interessados que, na fase inicial de
habilitação preliminar, comprovem possuir os requisitos mínimos de qualificação.
a) concorrência
b) tomada de preços
c) convite
d) concurso
e) leilão

Gabarito

01. A
Comentários: A falta funcional gera o ilícito administrativo e dá ensejo à aplicação de pena
disciplinar, pelo superior hierárquico, no devido processo legal.

02. B
Comentários: Não há, para o servidor, responsabilidade objetiva ou sem culpa. A sua
responsabilidade nasce com o ato culposo e lesivo e se exaure com a indenização. A
responsabilidade civil é independente das demais e se apura na forma do Direito Privado, perante
a Justiça Comum.

03. C
Comentários: O ilícito penal sujeita o servidor a responder a processo crime e a suportar os
efeitos legais da condenação.

04. B
Comentários: O ressarcimento é integral do dano, quando há lesão ao patrimônio público por
ação ou omissão, dolosa ou culposa, do agente ou de terceiro.

05. A
Comentários: Apurada a falta funcional, pelos meios adequados, o servidor fica sujeito, desde
logo, à penalidade administrativa correspondente independente da civil ou criminal.

06. D
Comentários: Os objetos e utensílios de uso domésticos não precisam fazer parte da declaração
de bens do agente público.
07. D
Comentários: Esta modalidade acontece através da instituição de prêmios ou remuneração ao
vencedor.

08. A
Comentários: A qualificação do interessado deve ser exigida no edital para execução de seu
objeto.

09. D
Comentários: A produção exclusiva é caso de inexigibilidade e não de dispensa de licitação.

10. A
Comentários: Na Concorrência, a qualificação do interessado deve ser exigida no edital para
execução de seu objeto.

Marilena Chaui - O esquecimento da política


Primeira parte

Todos conhecem a maneira como Max Weber concebe o poder: o poder, diz ele, é a capacidade para obrigar a obediência por meio da lei e é o uso legal da violência. Como dizia Marx, o poder político é a passagem da dominação pessoal à dominação legal por meio dos instrumentos jurídicos postos pela classe dominante de uma sociedade. Tanto em Weber quanto em Marx, o poder é idenfiticado ao exercício da violência: para Weber, o poder em geral, para Marx, o poder na sociedade de classes.
No entanto, todos também conhecem a distinção feita por Hannah Arendt, entre a força, a autoridade e o poder. A força, diz ela, é o exercício direto e imediato da coerção e da repressão, e o seu fundamento é o medo. A autoridade é a coerção pela tradição, interiorizada e rememorada pela sociedade por meio de símbolos. O seu fundamento é a obediência e o respeito à hierarquia. O poder é a coerção mediada pela lei, a qual tanto pode ser fonte de liberdade como de dominação, e o seu fundamento é o consentimento. Quando o consentimento é voluntário, o poder propicia a liberdade; quando o consentimento é forçado, torna-se dominação e opressão. Para Arendt, a força opera por meio da violência, com a finalidade de eliminar diferenças. A autoridade opera pela formação do sentimento comunitário, considerando as diferenças secundárias. O poder, quando não se transforma em dominação, opera no sentido de legimitar as diferenças.
Todavia, não são menos conhecidas de todos as análises de Michel Foucault. Contrapondo-se à idéia weberiana e marxista de que o poder é essencialmente repressivo, Foucault prefere tomá-lo sobre um outro ângulo. Em seu livro “Vigiar e Punir”, analisando as mudanças no sistema penal e no sistema carcerário na modernidade, ele se refere ao poder como produtor de corpos dóceis. O poder se torna uma disciplina, e como tal espalha-se pelo todo da sociedade, penetrando em todas as intituições sociais. Mais tarde, em cursos ministrados no Collège de France, Foucault recorda a diferença estabelecida por Aristóteles entre a vida natural, Zoe, e a vida boa, ou vida ético-política, Bios, e analisa, Foucault, o interesse do poder desde o século XIX pelo controle sobre a vida natural dos homens - interesse atestado pelo surgimento da demografia, das discussões sobre população, e das questões de higiene e saúde públicas. A esse poder fundado na demografia, na idéia de população, de higiene e saúde públicas Foucault dá o nome de “biopoder”, isto é, um poder que se exerce sobre a vida dos indivíduos e das sociedades. Em sua opinião, o racismo, a idéia nazista de eugenia racial e o campo de concentração como solução final seriam as expressões mais claras dessa mudança sofrida pelo poder. De fato, Foucault se dedica à análise sobre o fim da idéia de soberania – idéia que aparece no século XVI e que vai até os anos 80 do século XX – da idéia de soberania como definição do poder. Mas ele salienta um aspecto da soberania que ao fim e ao cabo desembocará no biopoder.
Desde o século XVI, com Jean Bódin, a soberania se define pelo poder de fazer, promulgar e executar a lei, o poder de vida e morte sobre os cidadãos. Ora, diz Foucault, é evidente que o poder soberano não tem o poder de dar a vida, mas apenas de tirá-la. Em outras palavras, a soberania é o poder de fazer morrer ou deixar viver. A peculiaridade do biopoder está em ultrapassar o limite imposto à soberania pois, por meio da demografia, da higiene e saúde públicas, da identidade individual definida pela nacionalidade e naturalidade, pela idéia de população, o poder se exerce sobre a vida e sobre o dar à vida. Foucault fala então em biopolítica, ou sobre as implicações crescentes da vida natural do homem nos cálculos e mecanismos do poder - implicações, segundo ele, expressas, por exemplo, na Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, que não por acaso começa pela afirmação da vida como um direito.
O problema das ricas e instigantes análises de Foucault está na ausência por parte dele de referência às condições materiais dessas duas formas de poder que ele examina: o disciplinar e o biopolítico. De fato, em Vigiar e Punir, nunca é mencionado o momento em que o modo de produção capitalista necessita da força de trabalho assalariado e portanto requer os corpos dóceis, requer a disciplina, e uma vez que em seus inícios, o capitalismo se exprime ideologicamente na ética protestante o trabalho como vocação e dever, a economia e a ideologia instituem o dever de trabalhar e a repressão do desejo e da fruição, impondo férrea disciplina aos corpos.
Da mesma maneira, no caso dos cursos do Collège de France, quando ele introduz o biopoder e biopolítica, nunca é mencionado o advento da sociedade industrial e de massa, nem é feita a menção à presença assustadora e numerosa da classe trabalhadora, vivendo em condições miseráveis nos centros urbanos (no final do século XIX), classe cuja reprodução como força de trabalho impõe as políticas de higiene e saúde públicas e impõe hoje as políticas de estímulo à fruição, ao gozo, ao desejo, isto é, o abandono do valor do trabalho e o elogio do consumo de massa que demoliu a moral repressiva dos inícios do capitalismo. E é compreensível, portanto que tanto na perspectiva do controle das condições de vida e da reprodução da classe trabalhadora houvesse a questão da demografia, da população, da higiene etc como forma do biopoder, e que hoje o biopoder apareça como forma de satisfação dos desejos. O que eu digo é que as análises do Foucault são muito instigantes, muito ricas, mas abstratas, na medida em que nós não sabemos quais são as condições históricas que produzem essa mudança no poder. Parece que ela decorre de uma mudança na cabeça dos homens, e não é bem isso.
De toda maneira, independentemente dos reparos que se possa fazer às belas análises foucaultianas, sobre um aspecto elas retomam uma perspectiva clássica a respeito da política, qual seja: a não identificação da política com o aparelho estatal. Isso é típico dos clássicos. Ao pensar o poder como uma ação e uma operação que se espalham capilarmente por todas as instituições sociais, Foucault reencontra, surpreendentemente, Annah Arendt e Claude Lefort - e como eles, ele se opõe ao ponto de vista da ciência política. De fato, tanto Arendt como Lefort e Foucault consideram a política como espaço público no qual são deliberadas e decididas as ações concernentes à coletividade, de maneira que a política determina as formas da sociabilidade e das sociedades, existe capilarmente no interior da sociedade, segundo na sociedade se definam a forma do poder e o exercício do governo. Essa perspectiva se opõe à da ciência política. A ciência política admite a existência de uma esfera política, de fatos políticos, que se distinguem de todas as outras esferas e fatos sociais, ou seja, a ciência política concebe a política a partir do Estado e das instituições estatais, das formas dos governos, da existência de partidos políticas e da presença ou ausência de eleições. Em outras palavras, ela toma a política como um fato circunscrito, e não como um modo da existência sócio-histórica dos seres humanos. Ao contrário, Arendt e Lefort, à maneira dos clássicos, consideram as formações sociais instituidas pela ação política. Assim, a política é a criação de instituições socias múltiplas, nas quais uma sociedade se representa a si mesma, se reconhece a si mesma e se oculta de si mesma; se efetua e trabalha sobre si mesma, transformando-se temporalmente. Ou seja, a política não só é instituição do social, mas é também ação histórica.
Todavia, a concordância entre Arendt, Foucalt e Lefort termina nesse ponto, no qual eles são clássicos. Com efeito, para Arendt, o poder polítido resulta de um consenço público. Para Foucault, o poder é um conjunto de operações, mecanismos e instituições que se espalham por toda a sociedade. Para Lefort, o poder político é simbólico: é o pólo de referência no qual uma sociedade dividida em classes busca a imagem da sua unidade, realizando o trabalho dos conflitos que a dividem - em outras palavras, acompanhando Maquiavel e Marx, pensa o poder a partir da divisão social, e portanto, a partir do conflito, e não do consenso. Ora, essas diferenças e a discussão em torno da ligação entre a política e os conflitos nos conduzem ao momento histórico anterior, ou seja, ao momento da invenção da política.


Segunda parte

“Cidadão de Atenas, como ireis agora julgar pela primeira vez um crime sangrento, ouvi a lei do vosso tribunal. Sobre esse rochedo de Ares, doravente sentar-se-a perpetuamente o tribunal que fará a raça toda dos egeus ouvir o julgamento de todo homicídio. Esse rochedo é chamado Areópago. Aqui respeito e seu irmão temor, noite e dia, igualmente, manterão meus cidadãos longe do crime, enquanto conservarem inalteradas as leis. Não mancheis a pureza das leis com a impureza de estratagemas. Guardai com reverência vossa forma de governo: nem anarquia, nem despotismo. Eis a regra que aconselho a cidade a observar com respeito. E não expulseis todo temor para fora das mulharas da vossa cidade. Aqui fundo um tribunal inviolável, sagrado, mantendo uma fiel observância para que os homens possam dormir em paz.”
Essas palavras são pronunciadas pela deusa Atena no final da Oréstia, e com elas, simbolicamente, afirma-se a invenção da política, obra dos gregos. No mesmo espírito, na Suplicantes, Eurípedes coloca na boca dos atenienses a seguinte afirmação: “O que conserva a cidade dos homens é o nobre respeito às leis.”
O helenista Moses Finley descreveu o nascimento da política referindo-se a ele como a invenção da política. Um acontecimento que distinguiu para sempre Grécia e Roma em face dos grandes impérios antigos. Por que “invenção”? Porque gregos e romanos não dispunham de modelos prévios que pudessem seguir, mas tiveram que inventar a sua própria maneira de lidar com os conflitos e as divisões sociais. A política foi inventada quando surgiu a figura do poder público. Ela surge por meio da invenção do direito e da lei, isto é, a instituição dos tribunais (que é o que, simbolicamente, Atena faz), e da criação de instituição públicas de deliberação e decisão, isto é, as assembléias no caso dos gregos, o senado no caso dos romanos. Esse surgimento só foi possível porque o poder político nasceu graças ao momento em que  é separado de três autoridades tradicionais que anteriormente definiam o exercício do poder: a autoridade do poder privado ou econômico, isto é, o poder do chefe de família (e em grego, o chefe de família se diz “Despothes” – o déspota é o pai de família), e é por isso que Atena diz “nem despotismo”, não o reino do poder privado dos chefes de família, “nem anarquia”, ausência da lei; a autoridade do poder privado, a autoridade do chefe militar e a autoridade do chefe religioso, detentor do saber. Essas figuras, essas três autoridades, nos impérios antigos estavam unificadas numa chefia única, a do rei. O rei antigo era a unificação dessas três autoridades. A política nasceu, portanto, quando a esfera privada da economia, a esfera da guerra e a esfera do sagrado ou do saber foram separadas e o poder deixou de identificar-se com o corpo místico do governante, pai, comandante e sacerdote, representante humano de poderes divinos transcendentes. Então a política nasce quando a forma antiga do poder, do poder imperial dos antigos reis, é posta de lado.
Na Suplicantes, um mensageiro chega a Atenas e pergunta: “Quem é o tiranos dessa cidade?” E Teseu lhe responde: “Teu discurso, estrangeiro, começa com um erro. Pois procura um tiranos nessa cidade que não está sobre o poder de um só [e existe tirania quando todos estão sobre poder de um só]. Atenas é livre. O demos, aqui, governa. Os cidadãos administram o Estado por rodízio. Nenhum privilégio é dado às fortunas, pois o pobre e o rico têm direitos iguais.” A Grécia inventou a democracia. Em qualquer das cidades gregas, todos os homens adultos, nascidos na Pólis, eram cidadãos, dotados de isonomia (“isos” quer dizer igual, “nomos” quer dizer lei: a igualdade perante a lei) e da isegoria (a igualdade perante a palavra – ou seja, todo cidadão tinha o direito de exprimir na Assembléia a sua opinião, vê-la discutida e votada). Então, todos os homens adultos, nascidos na Pólis, eram cidadãos, com isonomia e isegoria, membros natos das assembléias e dos tribunais e participantes da força militar, que se realizava sobre as formas de milícia popular, isto é, dos cidadãos armados. Ainda nas Suplicantes, depois da fala de Teseu, o estrangeiro, surpreso, indaga: “Como o demos? Incapaz de raciocínio correto, poderia conduzir a cidade no caminho certo?”. O que se observa é que o estrangeiro, embora questione a capacidade do povo para legislar, não contesta, de maneira nenhuma, o princípio do governo da lei, ou seja, “nem despotismo, nem anarquia”, como dissera Atena. Sem dúvida, houve debates sobre quem tinha o direito de formular e promulgar as leias, e a diferença na resposta explica não só a diferença entre cidades gregas e a diferença entre Grécia e Roma. Roma inventou a república, a “res publica”, ou a coisa públca, era o solo de Roma, distribuido entre as famílias fundadoras da civitas. A república era oligárquica: os homens adultos membros das famílias que mudaram à civitas (ou dos pais fundadores, os patres, por isso eles são os patrícios, e o que eles têm é uma pátria) eram cidadãos, isto é, membros do senado, das magistraturas e comandantes militares. A plebe, excluida da cidadania ou da participação direta no governo, fazia-se representar pelo tribuno da plebe, um patrício eleito pela plebe, e por meio do plebiscito, manifestava-se diretamente a favor ou contra uma decisão do senado, ou lhe fazia propostas, além de participar da força militar, não na qualidade de comandada, porém armada.
Resta, porém, compreendermos o enigmático final da fala de Atena: “Aqui fundo um tribunal inviolável, sagrado, mantendo uma fiel observância para que os homens possam dormir em paz”. Trabalho sobre os conflitos e trabalho dos conflitos, a política nasce articulada à idéia da paz. Recordemos então um filósofo moderno para quem a paz é o núcleo da invensão da política, Espinosa.

Terceira Parte

“Somente na cidade vivemos uma vida propriamente humana, para além da mera circulação do sangue, da respiração e da alimentação”, escreve Espinosa no Tratado Político. A política, diz ele, deve ser deduzida da condição natural dos homens, ou dos homens tais como eles realmente são, e não como os téoricos gostariam que eles fossem. Ora, tais como realmente são, os homens são partes finitas da natureza infinita e sofrem a ação contínua das outras partes finitas, isto é, das causas externas, que mais fortes do que cada indivíduo, o submetem à passividade, isto é, às paixões. E Espinosa afirma que existem 3 afetos originários: a alegria, que é o sentimento que nós experimentamos quando nossa capacidade de existir aumenta, a tristeza, que é o sentimento que nós experimentamos quando a nossa capacidade de existir diminui, e o desejo, como aquilo que nós fazemos a partir do sentimento de alegria ou do sentimento de tristeza, e ele vai dizer que todas as nossas paixões se derivam desses três afetos originários. Por exemplo: da alegria deriva-se o amor; da tristeza, o ódio. Nós vamos, então, agora, e vou me referir a isso, a duas paixões que são nucleares na compreensão do surgimento da política, segundo Espinosa - uma paixão de alegria e uma paixão de tristeza. Na Ética, Espinosa escreve: “A esperança é uma alegria inconstante, nascida da idéia de uma coisa futura ou passada, de cujo desenlace duvidamos em certa medida. O medo é uma tristeza inconstante, nascida da idéia de uma coisa futura ou passada, de cujo desenlace duvidamos em certa medida. Segue dessas definições que não há esperança sem medo, nem medo sem esperança. Aquele que está suspenso na esperança e duvida que advenha algo esperado começa a esperar algo que exclua a existência do esperado, e por conseguinte, passa da alegria instável à tristeza. Quem está suspenso na esperança tem medo de vê-la frustada. Aquele, ao contrário, que é vítima do medo, isto é, duvida advenha algo odiado, imagina alguma coisa que exclua a existência do temido, e por conseguinte, alegra-se na esperança de que não ocorrerá.” Nós podemos assim falar num sistema do medo e da esperança. Porque tristeza e alegria instáveis, o medo e a esperança são paixões inseparáveis, expressões máximas da nossa finitude e da nossa relação com a contigência, com o acaso. Isto é, com uma temporalidade descontínua, imprevisível e incerta. Pois, escreve Espinosa, nós jamais podemos estar certos, completamente certos, do curso total das coisas singulares e do seu desenlace. Viver sob o medo e a esperança é viver na dúvida quanto ao porvir. A experiência da contigência e a experiência da dúvida tornam o medo e a esperança inconstantes e intercambiáveis, não apenas em momentos sucessivos, mas na simultaneidade. Numa metamorfose interminável, cada uma dessas paixões habita e perpassa a outra. Ou, como escreve Espinosa, “quem está suspenso na esperança e duvida do desenlace teme enquanto espera, e quem está suspenso no medo e duvida do que possa acontecer espera enquanto teme”. Medo e esperança não se separam senão quando é suprimida a dúvida, ainda que permaneça insuperável a incerteza quanto ao curso total ou completo das coisas singulares. Com a ausência da dúvida, passamos do medo ao desespero, da esperança à segurança. Eu cito, então, as definições de Espinosa. “A segurança é a alegria nascida de uma coisa passada ou futura, sobre a qual já não existe dúvida. O desespero é a tristeza nascida de uma coisa passada ou futura, sobre a qual já não existe dúvida. A segurança, portanto, nasce da esperança, e o desespero, do medo, quando já não existem dúvidas sobre a ocorrência de algo. Isto decorre de que o homem imagina algo passado como estando presente, ou imagina a existência daquilo que o fazia duvidar do desenlace. Assim, mesmo sem ter certeza sobre o curso total das coisas singulares, podemos não duvidar que ocorram ou deixem de ocorrer. E essa ausência de dúvida, a causa da segurança ou do desespero.”
Recordemos brevemente algumas teses espinosas fundamentais para o seu pensamento sobre o nascimento da política. Eu vou, então, enumerar algumas teses de Espinosa porque elas são fundamentais para compreendermos como é que ele vai explicar o nascimento da política, e o vínculo da política com a paz.
Para cada coisa singular, haverá sempre outra mais forte capaz de destrui-la. Somos passivos enquanto somos uma parte finita da natureza, que não pode ser concebida sem as outras. A força da nossa potência de auto conservação na existência (e essa força, essa pontêcia, define a essência de cada ser singular) é limitada e infinitamente ultrapassada pela força das causas externas que produzem em cada indíviduo passividade e paixões. A alegria é o afeto que nos faz sentir que nossa potência de existir aumenta. A alegria nos fortalece. A tristeza, ao contrário, é o afeto que nos faz sentir que nossa potência de existir diminui. A tristeza nos enfraquece. Todos os nossos afetos e paixões são formas de alegria ou de tristeza. A esperança é uma alegria, o medo uma tristeza. A segurança uma alegria, o desespero uma tristeza. A força de uma paixão e o seu aumento não dependem da nossa potência, mas da potência das causas externas que agem sobre nós. A razão, enquanto conhecimento verdadeiro do bem e do mal, não tem qualquer poder sobre as  paixões - é a tese clássica de Platão, de Aristóteles, dos estóicos, dos medievais, de Descartes: a razão, graças ao conhecimento verdadeiro, faz com que a vontade domine as paixões; Espinosa diz: a razão não tem nenhum poder sobre as paixões, o conhecimento verdadeiro do bem e do mal não muda a paixão de ninguém. Uma paixão não pode ser suprimida por um conhecimento racional, e sim por uma outra paixão mais forte e contrária. Nós sabemos que as paixões da alegria são mais fortes e as paixões de tristeza são mais fracas. Isso nos faz supor que as paixões de alegria possam vencer as paixões de tristeza. As paixões que se referem ao tempo presente são mais fortes do que as que se referem ao futuro e ao passado – ou seja, eu sinto uma paixão muito mais forte por uma coisa que está presente, que é presente para mim, do que alguma coisa que ficou no passado ou alguma que, quem sabe, virá no futuro. As paixões por uma coisa imaginada como necessária, como inevitável, portanto, são mais intensas do que aquelas por uma coisa imaginada como possível ou contigente. E as paixões são mais fortes pela coisa imaginada como possível do que pela coisa imaginada como contingente. Cada um se esforça para conservar o que lhe é útil – o útil é o bom – e para afastar e destruir o que lhe é nocivo, o mal, e a potência para fazê-lo é maior naquele que é virtuoso. Por que? Porque o fundamento primeiro e único da virtude é apenas a nossa potência de existir e agir, que define a nossa essência singuçar. (Ou seja, Espinosa não tem uma concepção normativa da virtude, em que a virtude seria realizar certos valores, seguir certos modelos, realizar algo que é tido como bem, a virtude é ter força para existir por si mesmo, e não dependendo da exterioridade. A virtude é autonomia. Aquele que é autônomo é virtuoso.) Aquilo que é de natureza completamente diversa da nossa não pode favorecer nem prejudicar a nossa potência de agir, e, de maneira absoluta, nenhuma coisa pode ser boa ou má para nós se não tiver algo em comum conosco. É má a coisa contrária à nossa natureza. É necessariamente boa a coisa que concorda com a nossa natureza. Enquanto os homens estão submetidos às paixões, não se pode dizer que concordam por natureza. Inversamente, pode-se dizer que são contrários uns aos outros. Os homens concordam necessariamente quando vivem guiados pela razão. Aquele que é virtuoso deseja aos outros o mesmo bem a que aspira. E, última tese, a potência de auto conservação é o supremo direito de natureza de cada um (isto é, Espinosa estabelece a identidade entre o direito, direito natural e a potência de existir de cada um, por isso em Espinosa, direito é poder).
Espinosa invoca o que ele chama de o “eloqüente testemunho da experiência quotidiana” para confirmar que nada é mais útil a um homem, portanto nada é um bem maior para um homem, do que um outro homem. Pois os homens percebem que “com a ajuda mútua, podem conseguir muito mais facilmente aquilo de que têm necessidade, e que somente unindo as suas forças, podem evitar os perigos que os ameaçam de todos os lados.” Se a experiência mostra a utilidade da vida em comum, a razão, por seu turno, demostra que “as coisas que conduzem à sociedade dos homens, ou às que fazem com que os homens vivam em concórdia, são úteis. Ao contrário, são más as que induzem a discórida na cidade.”
Por que a identidade entre direito e potência, ou entre direito e poder? A potência do universo não é senão a potência de uma substância única, absolutamente infinita, imanente a todas as suas expressões finitas, e, por isso, o direito de natureza não é senão a potência natural de cada ser singular, que exprime, na sua singularidade, a potência da substância universal. E é isso que lhe assegura fazer apenas o que segue da necessidade de sua natureza, e julgar, segundo seu próprio temperamento, o bom e o mal. Ou, como escreve Espinosa, “o direito de natureza coincide com a potência e o desejo de cada um, e por isso tudo o que cada um deseja é lhe permitido por natureza e nada lhe é proibido por natureza, senão o que ninguém deseja ou o que ninguém pode.” Ora, se os homens vivessem guiados pela razão, cujas regras visam o que é verdadeiramente útil para cada um e para todos, eles seriam virtuosos, no sentido de que todos estariam exercendo autonomamente a sua potência de existir e de agir – então, se fossem todos guiados pela razão, seriam todos virtuosos, e cada um exerceria o seu direito natural sem dano para os outros. Mas, como os homens são naturalmente atravessados e perpassados pelas paixões, que ultrapassam em muito a potência da sua virtude, eles são contrários uns aos outros, mesmo quando precisariam de auxílio mútuo. (Isso é natural, não tem nada o que lamentar, censurar ou zombar. Não tem que, à maneira dos teóricos tradicionais, dizer “mas isso é uma desgraça!”. Não, é assim. O que nós temos é que perguntar “o que fazemos com isso que é assim). Em outras palavras, se vivessem guiados pela razão, suas naturezas singulares concordariam, pois eles descobririam que possuem qualidades e propriedades comuns a todos os seres humanos, e que isso os torna semelhantes. Neste caso, guiados pela razão e conhecendo a semelhança de todos com todos, a sua concórdia seria imediata e espontânea. E sendo todos virtuosos, cada um desejaria para os outros o mesmo bem a que aspira. Todavia, é também por natureza que os homens são contrários uns aos outros, e habitados pelas paixões, a discórdia lhes é natural, imediata e espontânea. Assim, a única maneira de passar da contrariedade passional à concordância passional, passar da discórdia à concórdia, diz Espinosa, é renunciar ao direito natural e desejo natural de prejudicar os outros. Essa mudança se realiza em dois níveis. O primeiro nível, que tem com efeito produzir em nós o desejo de não prejudicar os outros, essa mudança, podemos dizer que é uma passagem: da discórdia à concórdia, passa-se de uma paixão fraca, o medo que todos têm de todos, a uma paixão forte, a esperança dos benefícios decorrentes da utilidade recíproca. O segundo nível da mudança, porém, que Espinosa apresenta como renúncia ao direito natural, é uma ruptura. Visto que Espinosa afirma que a política deve ser compreendida a partir da condição natural dos homens - que esses são naturalmente passionais e racionais, e que a paixão pode dividi-los, enquanto a razão necessariamente os une -, para chegar è instituição da política, é preciso encontrar um ponto de intersecção entre a razão e a paixão. Esse ponto de intersecção no qual a razão e a paixão se cruzam e encontram um ponto que é comum à ambas é o que Espinosa chama de Lei. A lei, igualmente válida para a paixão e para a razão. No que concerne à paixão, trata-se da lei natural segundo a qual uma paixão só pode ser vencida por outra mais forte e contrária, e que nós nos abstemos de causar um dano por medo de receber um dano maior em resposta – isto é uma lei natural, a lei natural que governa a paixão. No que concerne à razão, Espinosa demonstra exatamente a mesma lei, pois, ele diz, “sob a condução da razão, escolhemos de dois bens, o maior, e de dois males, o menor”, e ele diz ainda, “sob a condução da razão, desejamos um bem maior futuro de preferência à um bem menor presente, e um mal menor presente de preferência a um mal maior futuro”. (Ou seja, a lei natural opera na paixão e na razão da mesma maneira. Num caso, espontaneamente é assim que nós fazemos, no outro caso nós sabemos que é assim. Mas é a mesma lei - ou seja, a razão e paixão não indicam que na paixão eu sou viciosa, queda, a carne é fraca, preciso de punição, etc etc e na razão, eu sou formidável, minha alma se eleva, silencia a fraqueza do meu corpo..., nada disso! A paixão e a razão operam de acordo com a mesma lei. A única diferença é que na paixão eu não sei e na razão eu sei. Mas é a mesma lei.) Graças à essa lei natural que a um só tempo rege a paixão e a razão, a vida social por meio da cooperação, ou da divisão social do trabalho e dos seus produtos, e das regras tácitas da vida em comum, poderá ser estabelecida como alicerce de instituição da civitas - ou das leis civis, que serão mantidas pelos cidadãos, não pela força da razão (que não tem nenhum poder sobre as paixões), e sim pelas ameças de punição. E Espinosa explica porque é que o temor tem que vigorar também instalada, instituida a vida social e política. Ele escreve “esse afeto pelo qual um homem é disposto de maneira a não querer aquilo que quer e a querer aquilo que não quer chama-se temor, que não é, senão, o medo quando um homem está disposto por ele a evitar com um mal menor, um mal maior que julga futuro. Portanto, o que os homens descobrem é que é um mal maior viver na solidão, e um mal menor viver com os outros.
O campo aberto pela dinâmica afetiva funda-se então na demonstração na força de uma afeto para vencer um outro mais fraco e contrário a partir da definição da força de um afeto segundo a diferença entre alegria e tristeza, e conforme as circunstâncias. De tal maneira que um afeto é mais forte quando voltado para algo presente e imaginado como necessário e mais fraco quando voltado para algo passado ou futuro e imaginado como possível ou contingente. A dinâmica da contrariedade e da força dos afetos, indica que a esperança, paixão derivada da alegria, é mais forte do que o medo, derivado da tristeza, e, no nível das circunstâncias, a dinâmica afetiva da maior força do presente em comparação com o passado e o futuro, e do necessário com relação ao possível e ao contingente explica porque a segurança é mais forte do que a esperança, e mais forte do que o medo, e porque, segundo Espinosa, é do sentimento de segurança que provem o verdadeiro poder das leis civis sobre nós. Em outras palavras: o temor coletivo, ou o temor às ameaças da lei, se distingue do medo individual da morte e da solidão (aquilo que Espinosa chama “comunis miseria”, a miséria em que todos estamos comumente). Por que? Porque esse temor exprime o medo de perder a segurança, e vou enfatizar muito, e daqui a pouco isso vai ficar claro quando nós virmos a diferença entre a guerra e paz, que por segurança, Espinosa entende uma esperança a respeito da qual não existe dúvida. Segurança não tem nada a ver com as armas, fortalezas, exércitos, polícia, prisão, sistema penal e sistema carcerário. A segurança é a ausência de dúvida quanto ao bem presente e futuro.
Sabemos que a Ética coloca o medo e a esperança entre as paixões irredutíveis, insuperáveis. (Nunca vamos nos livrar do medo e da esperança. Eles podem diminuir de força, mas não podemos deixar de senti-los. Por que? Porque eles são expressões da nossa finitude. Nós somos partes da natureza que não podem ser concebidas sem as outras. Eles são expressões do limite do nosso conhecimento quanto ao curso das coisas singulares, e portanto, são expressões da nossa relação com a alteridade, quer nós nos relacionemos imaginariamente com o outro, quer nos imaginemos com ele racionalmente.) Com efeito, a experiência imaginária da finitude se realizar como dependência de algo outro e, simultaneamente, como desejo de consumor essa alteridade, absorvê-la, aniquilá-la. (Ou seja, nós imaginamos que venceremos a nossa dependência daquilo que é outro exterior a nós se nos apossarmos desse outro, se o consumirmos e o aniquilarmos. Essa é a maneira pela qual o desejo se realiza imaginariamente. Aniquilar o outro como se aniquilando o outro eu parasse de desejar o que é outro ou parasse de desejar aquilo que é externo a mim.) E a discórdia passional entre os homens nasce do desejo de cada um de ter a posse exclusiva e a fruição exclusiva de um bem. Dos bens desejados pela imaginação paixão, diz Espinosa, o maior bem imaginado é a posse de um outro ser humano, para fazê-lo desejar o nosso desejo. E para a imaginação coletiva, o bem supremo é julgar-se escolhido por deus, com exclusão de todos os outros (ser, portanto, o povo eleito). Nessa dependência do outro, seja como desejo de possui-lo com exclusividade,  absorvê-lo e consumi-lo, seja como desejo de impedi-lo de alcançar um bem que lhe poderia pertencer, emerge, pela primeira vez, o medo da solidão, cujo aparecimento é necessariamente ambíguo, pois exprime, em um só tempo, nossa carência do outro e nossa recusa do outro, enquanto separado de nós e estranho a nós. Todavia, o eloquente testemunho da experiência nos força a reconhecer a impossibilidade de efetivar o desejo de total consumação e aniquilamento do outro, pois esse desejo se volta contra nós, seja porque no confronto conosco, o outro experimenta esse mesmo desejo de aniquilamento e possessão contra nós, seja porque a destruição do outro nos lança no mais completo desamparo e no desepero. Assim, o medo da solidão pode transforma-se em desespero cuja causa somos nós mesmos. É aqui, entretanto, que intervem a lei natural do mal menor e do bem maior, sob a forma de um afeto mais forte do que o medo, que é produzido pelo aniquilamento do outro, ou seja, o aparecimento da esperança, operando a passagem da destruição recíproca ou da discórdia à cooperação e à concórdia. O que permite essa passagem de uma paixão a sua contrária, do medo à esperança, é, de um lado, sob a lei do mal menor e do bem maior, a vitória efetiva da esperança, paixão de alegria, cuja força superior e contrária à do medo, a paixão de tristeza, e do outro lado, o fato de que o que reforça a esperança, mesmo que a esperança não o saiba, são as noções comuns trazidas pela razão, isto é, o fato de que os seres humanos possuem qualidades, propriedades e aspectos comuns, pois essa comunidade é o fundamento ontológico da concordância... (Ou seja, a concordância entre nós, a concórdia, segundo Espinosa, não é um acontecimento psicológico, resolvemos todos de boa vontade concordar, que é um pouco o que aparece no Hobbes. Não. Em Espinosa, a concordância tem um fundamento ontológico. O que nos leva à concordância é o fato de que ontologicamente os seres humanos possuem qualidades, propriedades, aspectos comuns, e é porque nós temos uma comunidade de ser que nós podemos passar da discórdia à concórdia. A concórdia, portanto, não é um momento de boa vontade, é um momento em que opera com muito mais força o que há de comum entre os homens do que o que há de contrário entre eles. E é por isso que a razão está lá presente: ela está operando tacitamente, silenciosamente, a descoberta do que é comum a todos.) ... visto que estes aspectos são o fundamento ontológico da concordância e, portanto, a mola racional invisível da cooperação entre os homens. Nós poderíamos até falar de uma astúcia da razão, que se serve de uma paixão, a esperança, para dar força operante à potência racional das noções comuns, ou daquilo que é comum a todos os homens. De fato, é preciso observar que Espinosa distingue entre as relações fundadas na paixão e as relações fundadas na razão. Ele afirma que as relações humanos fundadas nas paixões podem tornar os homens contrários uns aos outros, enquanto as relações fundadas na razão os tornam necessariamente concordantes. Em outras palavras: sob o domínio das paixões, a discórdia é uma possibilidade, que não exclui a possibilidade da concórdia, ainda que tanto a discórdia quanto a concórdia sejam instáveis, inconstantes. Sob a razão, porém, a concórdia é necessária, pois ela está inscrita na natureza dos homens. A astúcia da razão está em se valer de uma paixão alegre, propensa à concórdia para nela introduzir estabilidade e constância, ao lhe dar os meios para transformar-se de esperança em segurança. Ora, se nós quisermos compreender porque além dessa passagem da discórdia à concórdia, também é possível falar numa ruptura, que é o advento do político, é preciso examinar ainda mais um aspecto da nossa experiência da finitude, enquanto experiência imaginária, que é a nossa relação com o acaso, ou a nossa relação com a contigência, porque Espinosa considera que é essa relação com o acaso, com a contingência que leva ao que Espinosa chama de a forma extrema da “insecuritas”, da insegurança, que Espinosa designa como o maior de todos os medos.
Sabemos que a experiência da contingência é irredutível, pois nunca poderemos ter a certeza quanto ao desenlace do curso total das coisas singulares. No entanto, há duas maneiras diferentes de enfrentar a contingência, o acaso, o inesperado. Numa delas, sede-se, visto que não podendo dominar todas as circunstâncias de nossas vidas, concluimos então que não temos poder nenhum sobre algumas dessas circunstâncias. Ou seja, a primeira maneira de enfretar a contingência é seder a ela, viver sob o medo do futuro, na dúvida, na angústia, na insegurança que dá origem à superstição, à crença na transcendência da potência divina, dá origem ao poder divinatório de magos e sacerdotes, em suma, essa maneira de submeter-se à contingência dá origem ao que Espinosa chama “poder teológico” e ao poder monárquico. De fato, o desejo de vencer a disperção e a fragmentação temporais dos acontecimentos leva a imaginação a produzir concatenações arbitrárias entre as coisas e os acontecimentos, cuja estabilidade e permanência dependem da sua unificação numa figura imaginária, que é a figura da unidade do poder encarnado num deus ou encarnado num rei. Em suma, o poder, nascido apenas do medo, é sempre imaginado como transcendente e separado dos homens (poder de deus), transcendente e separado dos crentes (poder teológico) e transcendente e separado dos cidadãos (poder monárquico). Se o poder teológico e o poder monárquico produzem os mesmos efeitos, produzem aquilo que Espinosa chama “servidão do rebanho”, e a revolta contínua, isto é, a discórdia como forma das relações sociais e políticas, é porque esses dois poderes são causados exclusivamente pelo medo, e não podem senão produzir os efeitos do medo. Há porém uma outra maneira de enfrentar o acaso, a contingência. Agora, distinguimos entre o que está completamente submetido ao poder das causas externos, e portanto está completamente fora do alcance do nosso poder, e o que está em nosso poder, segundo as circunstâncias. Nós dirigimos o nosso esforço e a nossa potência para conservação dessas circunstâncias e, sobretudo, para ampliação da presença dessas circunstâncias, e do seu campo. Em outras palavras: nós buscamos reforçar as circunstâncias presentes para que eles sejam capazes de determinar como será o futuro, de tal maneira que, graças a nós, as circunstâncias presentes recebem uma espécie de necessidade. Aqui também há uma astúcia da razão, pois a imaginação é levada a produzir concatenações entre coisas e acontecimentos que dependem da nossa potência, e que por isso se apoiam, sem um saber, implicitamente, em conexões entre as coisas e os acontecimentos que são conexões reais e necessárias, ainda que ignoradas por nós. Nesse caso, nós passamos da esperança à segurança, e para conservá-la, precisamos manter as circunstâncias presentes no seu advento. Ora, a ampliação das circunstâncias em nosso poder não muda a esperança em segurança senão quando estabelecemos os instrumentos de estabilização da temporalidade, ou seja, quando nós estabelecemos instituições políticas que estão e permanecem em nosso poder. Em outras palavras: dado que essa instituição decorre da percepção do que está em nosso poder, a potência coletiva assim instituida não se torna transcendente, não se separa dos cidadãos, mas é a potência dos cidadãos. Isso significa que a política instituida pela esperança é imanente aos cidadãos, ou seja, essa política é democrática. É a política instituida pelo que Espinosa chama “libera multitudo”, massa livre, que é livre por oposição à multitudo vencida, conquistada, dominada, submetida ao medo. Assim, essas duas formas de relação com a contingência, submeter-se a ela e sentir medo, distinguir o que não está e o que está em nosso poder e reforçar a esperança para transformá-la em segurança, portanto essas duas maneiras de nos relacionarmos com a contingência nos permitem compreender porque as questões concernentes à paz, à segurança e à guerra ocupam quase todos os capítulos do Tratado Político de Espinosa dedicados àquele regime político no qual o poder pertence a um só, seja o poder de um só homem, como na monarquia, ou de um só Estado, como no imperialismo. Esse regime político do poder de um só é apresentado por Espinosa como uma ordem militar ou  beligerante, na qual os assuntos públicos são tratados secretamente, e é a seu propósito que o filósofo introduz a distinção entre paz e ausência de guerra (Espinosa diz: a paz não é ausência de guerra, vamos ver porque). Falando da situação servil dos cidadãos, reduzidos à condição de um rebanho aterrorizado, e da solidão sob a aparência de sociedade. No lugar da segurança, ou seja, da ausência de dúvidas políticas quanto ao futuro, o poder de um só re-introduz a contingência num nível muito mais profundo, uma vez que agora tudo parece depender da vontade caprichosa, contingente e secreta daquele indivíduo ou Estado que decide por todos os outros, e aquele portanto cuja potência se apoia sobre a força dos exércitos e das fortalezas, e só pode conservá-la exercendo-a continuamente por meio da repressão interna e da guerra externa, portanto, produzindo, sem cessar, a insegurança e a instabilidade.
Submetida à imagem de um poder soberando, voluntário, único, a política nada mais é do que dominação, pois subtrai aos cidadãos e aos outros Estados, os meios para enfrentar as circunstâncias que, de outro modo, estariam sob o seu poder. Ou seja, ali, onde houver permanentemente exércitos, armas, fortalezas e decisões secretas, ali o que reina é a insegurança. (É interessante porque no nosso vocabulário, o setor de segurança nos Estados é a polícia, o exército, a prisão... para Espinosa é exatamente oposto, isso é o lugar da insegurança.)
Dentre os modernos, Espinosa é o único a distinguir entre a paz e a mera ausência de guerra. Isso nos coloca diante de um paradoxo, porque ele considera que a guerra é tão natural quanto a paz. Com efeito, parece que Espinosa afirma simultaneamente que, por naturaza, os homens, atravessados pelas paixões, contrários uns aos outros, fazem com que a guerra lhes seja natural, imediata e espontânea. Mas ele diz ao mesmo tempo, também que, do ponto de vista da razão, os homens concordam por natureza, visto que, ontologicamente, eles possuem qualidades,  propriedades e aspectos comuns e, portanto, racionalmente, a paz lhes é natural, imediata e espontânea. O paradoxo parece total, não só porque as paixões nos obrigam a indagar como é possível a guerra, já que os homens, racionalmente, deveriam estar na paz, mas também somos obrigados a indagar como é possível a paz, já que, naturalmente, a guerra é o que nos constitui. E mais, nós somos obrigados a indagar isto porque a paz e a guerra podem assumir, cada uma, a imagem da outra. A paz vai aparecer como ausência de guerra, e a guerra vai aparecer (oh, CNN), como o esforço para conservar a paz. Assim, o que nós temos que perguntar é, não só, o que fazemos com o fato de que, por natureza, somos belicosos e, por natureza, somos pacíficos. Nós temos que perguntar como nós passamos de uma coisa para outra. Mas, sobretudo, temos que perguntar porque é que a imagem da paz e a imagem da guerra podem se confundir de tal modo que eu defina a paz por meio de imagem da guerra, e defina a guerra por meio de uma imagem da paz. Ou seja, a paz como ausência de guerra e a guerra como esforço para obter a paz.
No entanto, não há paradoxo algum. A chave do enigma encontra-se na definição que Espinosa dá da paz como virtude. Isso significa, por um lado, que a paz é natural num sentido completamente diverso da naturalidade da guerra e, até mesmo, num sentido diverso da naturalidade da concórdia. E, por outro lado, significa que graças à definição da paz como virtude, nós podemos conceber a definição da instituição da política simultaneamente como passagem da discórdia à concórdia e como uma ruptura, isto é, o advento de algo novo pela ação dos homens. No Tratado Político, Espinosa escreve: “se numa cidade os súditos não tomam das armas porque têm medo, deve-se dizer que nela não há paz, e sim ausência de guerra. A paz não é simples ausência de guerra, mas uma virtude que se origina da fortaleza do ânimo, pois que, de fato, a obediência é uma vontade constante de fazer aquilo que é conforme a decisão comum, tomada pela cidade, e que deve ser feito. Porém, uma cidade na qual a paz dependa da inércia dos súditos, que se deixam conduzir como um rebanho e formados apenas para servir deve-se, mais corretamente, ser chamada de solidão do que de cidade, de barbárie mais do que de sociedade.” E, no capítulo 6 do TP, ele diz o seguinte: “a experiência parece ensinar que no interesse da paz e da concórdia, convém que todo poder pertença a um só [indivíduo, rei ou império]. Com efeito, nenhum Estado permaneceu tanto tempo sem nenhuma alteração notável como os turcos [ele está se referindo ao império Turco-Otomano]. E em contrapartida, nenhuma cidade foi menos estável do que as cidades populares ou democráticas, nem onde se tenham dado tantas sedições. Mas se a paz tem de possuir o nome de servidão, barbárie e solidão, nada há mais lamentável nos homens do que a paz. É pois a servidão, e não a paz, que requer que todo poder esteja nas mãos de um só. A paz não consiste na ausência de guerra, mas na união do ânimos, ou seja, na concórdia.”
Antes de examinarmos o significado dessa definição da paz, tomemos, só para exemplificar, uma das diferenças, uma das muitas, uma diferença entre a guerra e  a paz, uma das muitas que Espinosa estabelece. Quando, no TP Espinosa analisa os pactos acordados entre países, entre Estados, em vista da paz, ele observa, e nisto ele está muito próximo de Maquiavel, que os pactos dependem das circunstâncias, cuja mudança pode tornar um pacto nulo, re-enviando cada país ou cada Estado ao direito de guerra. No curso dessa análise, Espinosa repete várias vezes que a guerra pode ser declarada unilateralmente. De fato, a guerra é sempre uma declaração unilateral. Mas ele afirma que o mesmo não é possível para a paz, pois a paz depende, necessariamente, do acordo entre as partes beligerantes. Uma paz unilateral é uma contradição em sim mesma, é apenas ausência de guerra, imposta pelo vencedor ao vencido. Uma paz imposta é pura e simplismente exercício da dominação. Isso significa que a diferença entre a guerra e a paz decorre do fato de que a primeira é natural por direito de natureza, mas a paz é natural por efeito de uma instituição humana, que age sobre o direito natural por meio da lei, ou seja, por meio do direito civil. A paz não é ausência de guerra porque não é a concórdia animal, não é o rebanho, e sim aquilo que, em decorrência da natureza racional dos homens, produz um mundo propriamente humano, isto é, no dizer de Espinosa, a cidade, a política, na qual nós vivemos a vida propriamente humana. A guerra é repetição. Ela parece sempre nova... ela é repetição. Ela reitera indefinidamente os conflitos passionais do estado de natureza. A paz é a introdução do novo no mundo, porque é o surgimento do livre sujeito político, como um sujeito público e coletivo, que embora encontre na natureza as condições da sua possibilidade, só encontra as condições da sua efetividade na avaliação racional das circunstâncias. Eis porque, no plano natural da discórdia e da concórdia, nós podemos falar de uma passagem de uma para outra, mas devemos falar numa ruptura entre a naturalidade da guerra e a instituição da vida política como “securitas et pax”. A diferença entre as duas naturalidades se explicita quando compreendemos o sentido da definição de paz como virtude. Recordemos a definição Espinosa da virtude. Na Ética, Espinosa define a virtude da seguinte maneira: “por virtude e potência, entendo o mesmo, isto é, a virtude, enquanto se refere ao homem, é a própria essência ou natureza do homem quando tem o poder de fazer aquilo que só pode ser feito graças às leis de sua própria natureza.” Como eu lhes disse, a virtude é a independência, a autonomia, é fazer aquilo que segue do nosso próprio ser. Resta saber como a paz é uma virtude.
Recusando uma concepção normativa da ética, Espinosa identifica virtude e nossa potência de agir, quando a ação é determinada internamente pela própria essência singular do agente. Se na paixão estamos externamente determinados pela potência de causas exteriores, na ação, isto é, na virtude, nós somos internamente determinados pela potência da nossa essência, do nosso ser.
Por que a paz é uma virtude política? Antes de tudo porque se distingue, em sentido geral, da concórdia. Com efeito, Espinosa afirma que a concórdia pode ser instaurada por medo, por servilhismo, por vergonha. Isso significa que a paz exige um tipo de concórdia completamente diferente. É a concórdia instituida pela massa livre, pelo sujeito político-coletivo, que pensa mais, diz Espinosa, em cultivar a vida do que em fugir da morte. Ora, nós sabemos que, para Espinosa, cultivar a vida é o único e o primeiro fundamento da virtude. Além disso, a paz é virtude por ser fortaleza do ânimo. Isto é, ela bom a obediência à lei comum como a vontade constante de seguir as decisões da cidade, de tal maneira que a concórdia que nela se exprime não pode provir da inconstância que pesa sobre o medo, o servilhismo ou a vergonha. Ela só podia provir, essa constância só pode provir da segurança.
Podemos assim dizer que a paz é virtude política porque capaz de articular um dado natural racional, a concórdia, e um dado natural imaginativo, o efeito de segurança com o efeito da constância da esperança. Manter unido esses dois elementos passionais exige força de ânimo, pois a desaparição de um deles acarreta a do outro. Nesse primeiro nível, portanto, a paz é virtude, ou força do ânimo, enquanto uma atividade vigilante que agarra as circunstâncias instáveis para lhes dar uma estabilidade contínua.
Todavia, justamente porque não há paz perpétua, a paz é virtude política num nível muito mais profundo, nível no qual a razão e as circunstâncias precisam operar em conjunto. É nessa difícil operação que se exprime uma afirmação de Espinosa, qual seja: “a razão ensina absolutamente a buscar a paz.”
A distinção entre esperança e segurança decorre da presença na insegurança da dúvida sobre o futuro, e da ausência dessa dúvida na segurança. Todavia, é preciso observar que Espinosa é bastante claro ao definir a segurança. A contingência que afeta o curso de todas as coisas singulares e de todos os acontecimentos faz com que a segurança seja ausência de dúvida, mas ela não é a presença da certeza. O saber certo, para Espinosa, não se refere ao bom e ao mal nas coisas, e sim ao bom e ao mal nos afetos, conforme eles favoreçam ou prejudiquem a nossa potência de auto conservação, como causa interna ativa dos sentimentos, das idéias, das ações e da vida política. Em outras palavras: as certeza não diz respeito ao curso dos acontecimentos, sobre isso nunca teremos certeza, e sim diz respeito à nossa relação com os acontecimentos, e o critério, ou a medida de tais relações, isto é, o bom e o mal, é a potência de auto conservação como primeiro e único fundamento da virtude. A virtude é a ação guiada pela razão, a qual nos ensina a cultivar a nossa vida, passando de relações passionais conflituosas a relações racionais de concordância, porque as primeiras nos enfraquecem e as segundas nos fortalecem. Isso significa, portanto, que a virtude não muda o mundo. Ela nos muda. E com isso ela muda a nossa relação com o mundo. Ela nos faz saber, com certeza, quais afetos são bons, quais mals, e porque a paz é um bem. Se, portanto, a paz é virtude, é porque, antes de tudo, traz certeza à segurança e cultivo à vida. É isso que confere sentido à afirmação de Espinosa de que a razão ensina absolutamente a buscar a paz. Se a paz é virtude política, é porque, como toda virtude, não elimina a contingência, mas age sobre ela. E Espinosa a considera a virtude política por excelência, porque ela é a capacidade de discernir entre circunstâncias que favorecem a segurança, a concórdia e a liberdade, e as circunstâncias que as impedem. A paz é a potência para determinar o indeterminado, instituindo a boa relação da civitas com as circunstâncias instáveis. Em suma, a paz é capaz de enfrentar o destino e dobrá-lo em nosso favor.

Quarta parte

Essas considerações nos permitem entender porque Espinosa julga a democracia a forma superior da vida social e política. Pois, diz ele, somente nela os homens são livres, visto que, somente nela, eles são, a um só tempo, governantes e governados, porque são autores da lei que obedecem.
Nós estamos acostumados a aceitar a definição liberal da democracia. Essa definição liberal define a democracia como regime da lei e da ordem para garantia de liberdades individuais. Visto que o pensamento e a prática liberais identificam liberdade e competição, essa definição da democracia significa, em primeiro lugar, que a liberdade se reduz a competição econômica da chamada “livre iniciativa”, e a competição política, entre partidos que disputam eleições. Em segundo, que há uma redução da lei à potência judiciária para limitar o poder político, defendendo a sociedade contra a tirania, pois a lei garante os governos escolhidos pela vontade da maioria. Em terceiro lugar, a concepção liberal considera que há uma identificação entre a ordem e a potência dos poderes executivo e judiciário para conter os conflitos sociais, impedindo sua explicitação e seu desenvolvimento - impedimento que é feito por meio da repressão. Em quarto lugar, a concepção liberal da democracia considera que, embora a democracia deva ser justificada como um valor, ou como um bem, ela é de fato encarada pelo critério da eficácia. Essa eficácia é medida, no plano legislativo, pela ação dos representantes, entendidos como políticos profissionais. E no plano do poder executivo, pela atividade de uma elite de técnicos competentes, aos quais cabe a direção do Estado. (Uma tristeza, né, a concepção liberal da democracia...)
A democracia é assim reduzida a um regime político eficaz, baseado na idéia da cidadania organizada em partidos políticos, que se manifesta no processo eleitoral de escolha dos representantes, na rotatividade dos governantes e nas soluções técnicas para os problemas econômicos e sociais. Ora, há, na prática democrática e nas idéias democráticas, uma profundidade e uma verdade muito maiores e superior ao que o liberalismo percebe ou deixa perceber. O que significam as eleições? Muito mais que a mera rotatividade de governos, ou alternância no poder, as eleições simbolizam o essencial da democracia, ou seja, que o poder não se identifica com os ocupantes do governo, que o poder não lhes pertence, mas é sempre um lugar vazio, que periodicamente os cidadãos preenchem com representantes, podendo revogar seus mandatos se não cumprirem o que lhes foi delegado para representar. O que significam as idéias de situação e oposição, maioria e minoria, cujas vontades devem ser respeitas e garantidas pela lei? Elas vão muito além dessa aparência. Elas significam que a sociedade não é uma comunidade una e indivisa, voltada para o bem comum, obtido por consenso. Mas, ao contrário, que a sociedade está internamente dividida, que as divisões são legitimas, e que devem expressar-se publicamente.
Da mesma maneira, as idéias de igualdade e liberdade, como direitos civis dos cidadãos, vão muito além da sua regulamentação juridica formal. Significam que os cidadãos são sujeitos de direitos, e que onde tais direitos não existam nem estejam garantidos, têm-se o direito de lutar por eles e exigi-los. Assim, a criação e a conservação de direitos, exigidos por contra-poderes sociais, é o cerne, o coração da democracia.
O que é um direito? Um direito difere de uma necessidade, ou de uma carência, e de um interesse. De fato, uma necessidade, ou carência, é algo particular e específico. Alguém pode ter necessidade de água, outro pode ter carência de comida. Um grupo social pode ter carência de transporte, um outro, de hospitais. Há tantas necessidades, ou carências, quantos individuos, quantos grupos sociais. Interesse também é algo particular e específico, dependendo do grupo ou da classe social. Necessidades ou carências, assim como interesses, tendem a ser conflitantes, porque exprimem as especificidades de diferentes grupos e classes sociais. Um direito, porém, ao contrário de necessidades, carências e interesses, não é particular e específico, mas geral e universal, válido para todos os indivíduos, grupos e classes sociais. Em outras palavras, se tomarmos as diferentes carências e os diferentes interesses, veremos que, sob eles, estão pressupostos direitos. Dizemos, então, que uma sociedade, e não um simples regime de governo, é democrática, quando além de eleições, partidos políticos, divisão dos três poderes da república, respeito da vontade da maioria e das minorias, institui algo muito mais profundo, que é condição do próprio regime político. Ou seja, uma sociedade é democrática quando institui direitos. E essa instituição é uma criação social de tal maneira que a atividade democrática social realiza-se como um contra-poder social que determina, dirige, controla e modifica a ação estatal e o poder dos governantes. Essa ação é, no seu conjunto, a política.
A sociedade democrática institui direitos pela abertura do campo social à criação de direitos reais, à amplição de direitos existentes e à criação de novos direitos. Isso porque podemos afirmar, em primeiro lugar, que a democracia é a única sociedade, a única forma da política, que considera o conflito legítimo. Não só trabalha politicamente os conflitos entre as necessidades, as carências e os interesses, isto é, as disputas entre partidos políticos, as eleições, governantes pertencentes a partidos opostos, mas procura instituir as necessidades, as carências e os interesses como direitos e, como tais, exigem que sejam reconhecidos e respeitados. Mais do que isso. Na sociedade democrática, indivíduos e grupos organizam-se em associações, movimentos sociais, movimentos populares, classes, se organizam em sindicatos e partidos, criando um contra-poder social, que direita ou indiretamente, limita o poder do Estado. A política se realiza, portanto, nesse contexto.
Em segundo lugar, a democracia é a sociedade verdadeiramente histórica, isto é, aberta ao tempo, ao possível, às transformações e ao novo. Com efeito, pela criação de novos direitos, e pelas existências dos contra-poderes sociais, a sociedade democrática não está fixada numa forma para sempre determinada - ou seja, ela não cessa de trabalhar suas divisões internas, suas diferenças internas, seus conflitos e de orientar-se pela possibilidade objetiva da liberdade e, portanto, de alterar-se graças e por meio da própria práxis.
A sociedade democrática é, pois, aquela que não esconde suas divisões, mas as trabalha pelas instituições, pelas leis, pela práxis humana. É ela, creio eu, que pode responder à pergunta que nos foi colocada: o que é a política.

Resumo de Hermenêutica Jurídica


HERMENÊUTICA É: - “Conjunto de técnicas intelectivas voltadas para o processo de determinação de significados de um dado objeto”.

HERMENÊUTICA JURÍDICA: “O setor específico da Ciência do Direito destinado a organizar princípios e regras que viabilizam uma adequada interpretação do Direito, identificando a existência ou não de lacunas, obscuridades e antinomias, dando racionalidade ao sentido e alcance das expressões do direito”.

DUPLA PERSPECTIVA DA HERMENÊUTICA JURÍDICA
DESCRITIVA: privilegia a explicação do que é interpretar e desenvolve uma ontologia da interpretação. Sua finalidade é esclarecer a estrutura e o funcionamento do discurso interpretativo. (utiliza a decisão de um juiz injusto e descreve o caminho que ele percorreu)
PRESCRITIVA: privilegia a orientação dos intérpretes desenvolvendo uma metodologia da interpretação. Seu objetivo é estabelecer bases sólidas para compreendermos o sentido da atividade interpretativa e os modos pelos quais construímos a realidade a partir de nossas percepções. (Recomenda algo para solucionar o problema.)

A CENTRALIDADE DA INTERPRETAÇÃO NO DISCURSO JURÍDICO
- DISCURSO PRÁTICO-JURÍDICO: a interpretação torna-se presente para determinar os significados dos textos legais. II - DISCURSO TEÓRICO-JURÍDICO: utiliza a interpretação doutrinária com freqüência para sistematizar o direito em vigor e para construir conceitos jurídicos. III - DISCURSO LEGISLATIVO: a interpretação quando o legislador deve verificar o significado de um texto legal já existente em compatibilidade com o texto a ser promulgado.

O QUE É DIREITO? - KELSEN: DIREITO É NORMA ( se A é, B deve ser). Só as normas constituem objeto do conhecimento jurídica. - COSSIO: DIREITO É CONDUTA NORMADA: O Direito, como objeto, é conduta em interferência intersubjetiva; é um ser cultural, real, tem valor(+ e-), cuja compreensão é atingível mediante o método empírico-dialético. - COHEN ( REALISTAS): DIREITO É FATO: O que existe é o fato X e a conseqüência será ditada na sentença – a interpretação seria a criação da norma para o caso. MIGUEL – Direito é fato, valor e norma.

DIREITO E LINGUAGEM
A importância da linguagem no direito é fundamental, pois é através do seu uso que se exprime o verdadeiro e o falso, o justo e o injusto, o poder e o não poder. Sem o domínio da linguagem, o sistema jurídico ficaria a mercê da obscuridade, da incongruência com o real, e a aplicação da lei restaria duvidosa, estranha ao fim social a que se destina.

DIREITO + HERMENEUTICA + INTERPRETAÇÃO (FINALIDADE HERMENEUTICA)
O direito apresenta-se jungido (ligado/unido) à própria hermenêutica, na medida em que a sua EXISTÊNCIA, enquanto SIGNIFICAÇÃO, depende da concretização ou da APLICAÇÃO da lei em cada CASO JULGADO, que por sua vez depende da interpretação

Obriga o operador jurídico a aplicar regras de interpretação jurídica, visando a adequar e aplicar a norma escrita ao objeto do litígio, sempre atento aos elementos concretos e vivos da experiência social.

A interpretação da norma jurídica em desconformidade com o bem comum, geram injustiças, desigualdade social.

Ao jurista é imprescindível, muito mais que aplicar a lei ao caso concreto, saber interpretá-la de modo a alcançar o justo.

É necessário interpretar a lei evitando, sempre que possível, sua rigidez natural e positivismo, sem no entanto ir contra ao que nela foi estabelecido, tendo em vista a assegurar o bem comum e atenuar as injustiças sociais, evitando, assim, decisões arbitrárias e sem sentido, que além de desprestigiar o judiciário, vão contra a natureza do objetivo da lei, qual seja, o prestígio e amparo do bem comum.

HERMENEUTICA X INTERPRETAÇÃO
Hermenêutica trata de regras sobre regras jurídicas, de seu alcance, sua validade, investigando sua origem, seu desenvolvimento etc. A interpretação tem caráter concreto, seguindo uma via preestabelecida, em caráter abstrato, pela hermenêutica.

Enquanto a hermenêutica é o processo do qual se utiliza o intérprete para elaborar seu convencimento (sendo, portanto, a teoria científica dos princípios reguladores da interpretação); a atividade interpretativa, por sua vez, é a fórmula encontrada para capturar o significado de uma norma através da utilização de métodos hermenêuticos.

Enquanto a hermenêutica é o processo do qual se utiliza o intérprete para elaborar seu convencimento (sendo, portanto, a teoria científica dos princípios reguladores da interpretação); a atividade interpretativa, por sua vez, é a fórmula encontrada para capturar o significado de uma norma através da utilização de métodos hermenêuticos.

HERMENÊUTICA - É ciência; Atividade ulterior a aplicação; Existem independente de seu uso; Caráter teórico-jurídico ou abstrato; Processos aplicáveis para determinar o sentido e o alcance das e expressões do Direito; Refletir e criar as formas pelas quais serão feitas as interpretações

INTERPRETAÇÃO - É uma arte – operação; É pragmática – necessita do caso concreto; Aplicação ao caso concreto de enunciados já estabelecidos; Explicar, esclarece, dar o verdadeiro significado do vocábulo; Extrair da norma tudo o que nela se contém; Revelar o seu sentido apropriado para a vida real.

INTERPRETAR PARA CHEGAR A UM RESULTADO, CONSIDERA: A relação dos aspectos sociológicos com os aspectos jurídicos; O contexto histórico-social do processo interpretativo; Revigoramento das questões de ordem técnica; O Direito como sistema normativo e regulador.

VONTADE DA LEI X VONTADE DO LEGISLADOR
À medida que a lei se afasta de sua finalidade original, que pode, muitas vezes, não ser a finalidade desejada pelo legislador, ela perde seu compromisso com o bem comum e, naturalmente, deixa de beneficiar a todos para beneficiar alguns.

Tanto a criação da lei como a sua aplicação devem visar ao bem comum. Se assim não for, a lei não estará cumprindo a sua finalidade.

TEXTO E NORMA
Norma é o sentido do texto, aquilo que se diz sobre ele. A norma é produto da interpretação do texto a norma é o que se extrai do texto por meio da interpretação. Entre texto e norma não há um afastamento a autorizar decisionismos injustificáveis nem coincidência a determinar indelevelmente o sentido do texto.

HERMENÊUTICA COMO CIÊNCIA
Pode ser considerado como ciência por ser abstrata e ter um objeto própria de estudo que é obter o sentido claro do texto, uma interpretação que chegue o mais próximo possível da finalidade do texto, além disso ela dispões de métodos e técnicas próprias a seu estudo.

DIFERENÇA ENTRE HERMENEUTICA LITERÁRIA E BIBLICA.
A HERMENÊUTICA BÍBLICA -, busca compreensão dos textos ditos sagrados ou religiosos para extrair do processo de interpretação um conjunto de idéias que se considera latentes, em meio às revelações divinas, ainda que talvez não possa ser desvendado pela pobre razão humana, incompreendidas pela leitura linear do texto. HERMENÊUTICA LITERÁRIA cria um diálogo constante entre crítica e obra de modo a compor um caminho projetivo em que aspectos da obra sejam interpretados num sentido amplo que englobe fundamentação histórica e filosófica.

HISTORIA HERMENEUTICA E ESCOLAS
A hermenêutica surge com influencia da igreja católica

ANTIGUIDADE - A Hermenêutica alcançou um considerável interesse prático    ( Interpretação dos mitos); manter a autoridade dos poetas gregos com a justificação racional do mundo; A Alegoria (Hypanoia) é a técnica escolhida para entrever no mito a verdade racional que o pensamento expressa.

A PATRÍSTICA - Escola de interpretação alegórica que dominou a Igreja nos séculos inicias do cristianismo, buscava justificar o antigo testamento como um documento cristão. CLEMENTE DE ALEXANDRIA (150 – 215), acreditava que as Escrituras Sagradas ocultavam seu verdadeiro significado afim de que fôssemos inquisidores, e também porque não é bom que todos a entendam. ORÍGENES, seguidor de Clemente. Defendia alegoria. A Escritura possui os três sentidos – literal, moral e Alegórico ou místico. AGOSTINHO afirmava que apenas as passagens obscuras requeriam um esforço interpretativo

O ESPIRÍTO DA REFORMA - abandonou o sentido quádruplo da Escritura ( histórico, anagógico, etiológico e alegórico), substituindo-o pelo princípio de que a Escritura tem apenas um sentido. LUTERO rejeitou o método alegórico, chamando-o de “sujeira.  Aderia a compreensão literal do texto para a interpretação, não descuidando, o intérprete, das condições históricas, da gramática e do contexto.

O SENTIDO DA HERMENÊUTICA CRISTÃ
● O sentido literal - a significação primeira das palavras;  O sentido alegórico - os textos sagrados dizem uma coisa diferente da que dizem à primeira vista; O sentido tropológico, ou moral, - a Bíblia é escolhida como livro de vida, quer dizer, orientado  para a conversão do coração; O sentido anagógico, ou místico, que reenvia para o movimento da alma em direção à transcendência, para o além, e a inscreve no horizonte da salvação, que constitui as raízes da doutrina cristã.

AS ESCOLAS DA INTERPRETAÇÃO DO DIREITO
São correntes de pensamento que surgiram no século XIX, em virtude do surgimento das grandes codificações, procurando estabelecer a forma ideal de relacionamento entre a norma e seu aplicador. 

ESCOLA EXEGESE (também denominada Clássica, Tradicional ou Dogmática Entendeia que o Código Napoleão previa todas as situações da vida, acreditava que a interpretação devia limitar-se à pesquisa da vontade do legislador, levando-se em conta sua intenção. Seu surgimento deveu-se a Revolução Francesa, dedicada a combater o arbítrio judicial. Dessa forma contra o Absolutismo Judicial se insurgiram os seus adeptos, proclamando uma total subserviência do poder de decidir ao texto da lei. Se a lei é clara, inútil qualquer tentativa de interpretação: in claris cessat interpretatio. Sendo a lei incerta, ambígua ou obscura, é mister perquirir a vontade, o pensamento do legislador, com o auxílio do elemento lógico.

ADVENTO - Codificação (obtida com o código de Napoleão formando grupo de juristas); Mentalidade dos juristas da época.; Princ. Da certeza jurídica e da legalidade (exigência da Rev. Francesa, queria-se a vontade da Lei – deve estar estabelecida em Lei p/ que os indivíduos tenham direitos; Separação dos poderes (Exec., Leg. e Judiciario); Ideologia política de enfraquecer as faculdades de direito (queriam que não existisse interpretação.

CARACTERÍSTICAS: atenção totalmente voltada para a lei; Inversão dos valores tradicionais entre direito natural e direito positivo; Concepção rigidamente estatal do direito; A interpretação da lei é fundada na intenção do legislador; Apego excessivo às palavras da lei; Ação limitada do aplicador do Direito; Supressão da ambigüidade na interpretação da norma; É o primeiro modo de elaboração científica de um direito codificado.

ERRO E DECLINIO - Aferrando-se ao pensamento do legislador e à rigidez das palavras, desconhecia a natural evolução dos fatos sociais, base do direito, que lhes segue os passos.

ESCOLA HISTÓRICA
Colocavam a investigação histórica em primeiro plano, negava a antítese letra/lógica. a interpretação haveria de ser uma só, desdobrando-se, isto sim, em métodos, entre os quais se incluiria o método histórico. A interpretação, consistia na reconstrução do pensamento do legislador, expressão da consciência comum do povo. Impunha-se, então, o conhecimento dos costumes e dos fatos sociais ligados ao conteúdo da lei, já que o direito, produto da vontade nacional, não se poderia considerar originário da razão humana.

CARACTERÍSTICAS - congruência com cientificismo, romantismo, historicismo e nacionalismo; Apego ao passado, idelaizando-o, resultando na descrença do futuro; Tentativa de retomar o Direito romano.; Oposição à codificação e ao racionalismo exacerbado; liga o Direito organicamente com a essência e o caráter de um povo, sendo inerente ao desenvolvimento e necessidade de um povo; contrapõe a idéia iluminista de otimismo, na qual o homem com a razão pode melhorar a sociedade. A interpretação, para Savigny, consistia na recontrução do pensamento do legislador, expressão da consciência comum do povo; Direito não é uma idéia da razão, e sim produto da história, variando no tempo e no espaço.

CÂNONES (regras) DA INTERPRETAÇÃO DE SAVIGNY - A interpretação gramatical, literal é a porta de entrada para a compreensão; A interpretação sistemática da parte para o todo; A interpretação lógica procura a coerência no texto da Lei, fazendo-se a leitura de todo o texto da lei: capítulos, artigos, incisos; A interpretação histórica apega-se à história, à tradição para elaborar o direito.

Xxxxxxxxxxxxxxxxx

CONFRONTO ALEMÃO - SAVIGNY - Defendia a anticodificação, pois isto conduziria a um engessamento e dificultaria o regramento que a dinâmica da vida em sociedade exige.; Defendia uma ciência orgânica e progressiva de base histórica comum a toda nação.; O direito legislativo deveria ter oferecer suporte aos costumes. – THIBAUT - Defensor da codificação.; Buscava não ressuscitar o jusnaturalismo, mas construir sistema do direito positivo.; Critica o Direito germânico – insuficiente, obscuro e primitivo. e Direito Canônico – inculto e difícil de ser interpretado; Direito Romano – complicado e incerto.

EXEGESE X HISTORICISMO JURÍDICO

EXEGESE - Interpretação gramatical e lingüística da lei; Interpretação da lei fundada na intenção do legislador; No caso de lacunas, recorria à vontade do legislador; Culto ao texto da lei; Reduz o direito ao formalismo extremo; Seguidores fiéis até os dias de hoje. HISTORICISMO JURÍDICO - compreensão do Direito como fato social, reconhece a complexidade dinâmica da sociedade (toda lei gera um direito subjetivo); O Direito não é uma idéia da razão, mas sim um produto da história; Amor pelo passado; A lei primeiramente desenvolve-se por costumes e em seguida, pela jurisprudência, e não pela vontade arbitrária de um legislador. Quebra a crença do Direito natural.

JURISPRUDÊNCIA DOS INTERESSES
Concebe o direito como um processo de tutela de interesses: as normas como resultantes dos interesses de ordem material, nacional, religiosa ou ética que, em cada comunidade jurídica se contrapõem uns aos outros e lutam pelo seu reconhecimento, enquanto meras soluções valoradoras de conflitos de interesses.

ESCOLA DO DIREITO LIVRE
Competia ao juiz, de acordo com sua habilidade e consciência, procurar e aplicar o direito justo, superior à própria lei, especialmente se persistem dúvidas a respeito de seu conteúdo.

METODOS E DOGMATICAS DE INTERPRETAÇÃO

CRITÉRIOS BÁSICOS
COERÊNCIA (busca do sentido correto): métodos lógico sistemático - CONSENSO (busca do sentido funcional): respaldo social. método sociológico e histórico - JUSTIÇA (busca do sentido justo): objetivos axiológicos do direito. método teleológico-axiológico

QUANTO A NATUREZA:
MÉTODO GRAMATICAL - consiste, portanto, em apurar o significado das palavras que formam o texto normativo, deixando nítida a linguagem empregada pelo autor da norma. Para tanto, o intérprete poderá utilizar a etimologia, a sinonímia, a análise sintática, os elementos semânticos e a ortografia como auxiliares na compreensão de cada uma das expressões analisadas. MÉTODO LÓGICO – trata-se da lógica contextual. Deve-e entender o texto que se quer interpretar a partir do todo onde ele se encontra, verificando o campo de incidência da norma. MÉTODO HISTÓRICO - A interpretação remonta ao tempo do projeto normativo: o que justificou seu nascimento, quais foram os impulsos da época que levaram à elaboração daquele dispositivo. A aplicabilidade do direito toma, como base, as situações históricas de edição da norma. MÉTODO SISTEMÁTICO ou Finalista - Os preceitos normativos não podem ser avaliados isoladamente, visto carecem de uma percepção harmônica, objetiva e imparcial; de modo que o intérprete, ao invés de atentar para regras apartadas, volte-se para o sistema jurídico em que estejam incluídas. MÉTODO TELEOLÓGICO - ou finalista apregoa que para se ter o real sentido de uma norma é indispensável procurar o seu objetivo; o que, em última análise, corresponde à razão de ser daquele enunciado. Clarear o alcance de um dispositivo através da sua causa final. MÉTODO SOCIOLÓGICO - considera relevante, para se ter uma perfeita interpretação da norma, que sejam observados todos os fatos da sociedade na qual este preceito esta inserido

QUANTO AO ALCANCE (RESULTADO)

ESPECIFICADORA OU DECLARATÓRIA – o alcance coincide com o seu enunciado. É aquela em que o intérprete se limita a declarar o sentido da norma jurídica interpretada, sem amplia-la nem restringi-la. EXTENSIVA – o enunciado é inferior ao alcance e por isso precisa ser ampliado. Amplia o sentido e o alcance apresentado pelo que dispõe literalmente o texto da norma jurídica. RESTRITIVA – o enunciado é maior do que o alcance, razão pela qual sofre diminuição na interpretação. É a que restringe o sentido e o alcance apresentado pela expressão literal da norma jurídica.

 PROBLEMAS SINTÁTICOS -  Questões léxicas: questões de conexão da palavras nas sentenças. Questões lógicas: questões de conexão de uma expressão com outras expressões dentro de um contexto. Questões sistemáticas: questões de conexão das sentenças num todo orgânico, estrutural, pressupondo a unidade do sistema jurídico.

MEDIANTE TRÊS PROCEDIMENTO: 
ATITUDE FORMAL - se o legislador não distinguir, não cabe ao interprete fazê-lo. ATITUDE PRÁTICA: separam os termos na forma de oposições simétricas ou de conjugação. ATITUDE DIPLOMÁTICA: inventividade do intérprete, proposta da boa-fé.

 PROBLEMAS SEMÂNTICOS: referem-se aos significados das palavras ou de sentenças prescritivas. - Conceitos indeterminados: não é possível precisar o objeto. Ex. perigo iminente - Conceitos valorativos: imprecisão quanto aos atributos que o definem, Ex Mulher honesta - Conceitos discricionários: existe até que o interprete atribua uma relação de meio/fim, ex risco grave/leve.

A INTERPRETAÇÃO ASSUME DUAS FORMAS: Controle de ambigüidade por interpretação conotativa: pode ser feita de modo que o significado da palavra ou da sentença prescritiva seja mais claramente definido por meio de uma descrição formulada em outros termos. Vg. Mulher honesta. Controle de vaguidade por interpretação denotativa: decidir com um sim ou não, ou talvez, se o conjunto de fatos constitui ou não uma referência que corresponde á palavra ou á sentença. ex Depósito

INTEGRAÇÃO - O legislador não consegue prever todas as situações para o presente e para o futuro, pois o direito é dinâmico e está em constante movimento. O juiz não pode eximir-se de proferir decisão. O art. 4o da LINDB: “Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”.

MODOS DE INTEGRAÇÃO DO DIREITO

A) INSTRUMENTOS QUASE-LÓGICOS - São aqueles que exigem alguma forma de procedimento analítico. “quase porque não obedecem estritamente ao rigor da lógica formal” ANALOGIA, INDUÇÃO AMPLIADORA; INTERPRETAÇÃO EXTENSIVAI

ANALOGIA: Consiste na aplicação a uma hipótese não prevista em lei, de disposição estabelecida para casos semelhantes. Fases: 1- Constatação de que o caso em exame não tenha sido de nenhum modo previsto pela lei e nem tenha pretendido regular negativamente o caso. 2 - verificar semelhança

INDUÇÃO AMPLIFICADORA: sugere um processo mais amplo, não encontrando regra jurídica que regulamente caso semelhante, ao julgador se permite extrair filosoficamente (por dedução ou indução) o axioma predominantemente de um conjunto de regras ou de um instituto, ou disciplinadoras de um instituto semelhante.

INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA: partimos de uma norma e a estendemos a casos que estão compreendidos implicitamente em sua letra ou explicitamente em seu espírito.

B - INSTRUMENTOS INSTITUCIONAIS -  São aqueles que buscam apoio na concepção de instituição. COSTUMES, EQUIDADE, PRINCÍPIOS GERAIS DO DIREITO

COSTUMES - Dizem os autores que é uma regra jurídica não escrita que provém dos usos populares e que é aceita como necessária pelo próprio povo. Distingue-se da lei por não ser legislado.

EQUIDADE - adota-se em preceito geral, que são os fins sociais ou exigência do bem comum, numa situação que não foi prevista pelo legislador.
art. 5o da LICC, quando este recomenda ao juiz que atenda, ao aplicar a lei, aos fins sociais a que ela se destina, adequando-a às exigências oriundas das mutações sociais, e às exigências do bem comum.

PRINCÍPIOS GERAIS DO DIREITO: São pressupostos que articulam, ampla e genericamente, a ciência do Direito e o ordenamento jurídico, e que servem para orientar racionalmente a compreensão do ordenamento, fundamentando o aparecimento de novas normas e a validade de outras já existentes.